segunda-feira, 29 de maio de 2017

Noção de fundação pública

Segundo a redação atual do Dec.-lei 200/67, art. 5º, IV, fundação pública é "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes."
As fundações públicas devem ter sua instituição autorizada por lei específica, segundo determina o inc. XIX do art. 37 da CF. Nos termos do §3º do art. 5º do Dec.-lei 200/67, essas entidades adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
São dotadas de personalidade jurídica de direito privado, segundo o preceito acima, embora possa haver fundação pública criada como pessoa jurídica de direito público, como ocorre coma Fundação Memorial da América Latina, do Estado de São Paulo, criada pela Lei estadual 6.472, de 28.06.1989, e com a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, criada pela Lei estadual 10.207, de 08.01.1999. Com personalidade jurídica própria, são sujeitos de direito e encargos, no mundo jurídico, por si próprias.
Outro aspecto de sua caracterização encontra-se na autonomia administrativa. Ou seja: administram a si próprias, quanto a pessoal, bens e recursos, sem subordinação hierárquica (do ponto de vista jurídico e legal) a autoridade ou órgão da Administração direta.
Possuem patrimônio próprio e têm seu funcionamento custeado por recursos da entidade matriz a que se vinculam (União, Estado, Município ou Distrito Federal) ou oriundos de outras fontes. O funcionamento custeado sobretudo por recursos vindos da entidade matriz revela o distanciamento da fundação pública do modelo fundacional delineado no Código Civil, que exige patrimônio de certa monta para a instituição da entidade. O citado inc. IV só determina recursos suficientes para o funcionamento.
A fundação pública deve ser criada sem fins lucrativos. Isto é, sua atuação não há de visar a obtenção de lucros, embora possa obter lucro em  virtude da gestão adotada; se assim for, tais lucros reverterão ao atendimento dos fins da entidade, em geral, sociais, culturais, educacionais, científicos, administrativos.
O tipo de atribuições a que se destina tal entidade vem apontado no período "para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público". Essa frase traz mais dúvidas do que esclarecimentos a respeito do tipo de atividade que seria pertinente ao modelo fundacional, pois dificilmente se podem arrolar, com exatidão, no início do século XXI, quando o público e o privado têm fronteiras tênues, as atividades que exijam execução por órgãos públicos. Apenas é possível ressaltar que a maioria das fundações públicas tem suas atividades centradas em educação, ensino, saúde, cultura, assistência e bem-estar social, pesquisa ciência, desenvolvimento administrativo, levantamento de dados.
Para o desempenho de suas atribuições e gestão do seu patrimônio, cada função pública dispõe de estrutura administrativa própria, internamente hierarquizada, possuindo quadro de pessoal, que não se confunde com o pessoa da Administração direta.

(Trechos extraídos de Direito Administrativo Moderno - |Odete Medauar - Editora RT - 20ª edição)

Controvérsias sobre as fundações instituídas pelo poder público

Uma das polêmicas diz respeito a sua inserção entre as entidades da Administração indireta. A redação de alguns dispositivos da Constituição de 1988 suscitou entendimento de que as fundações foram retiradas do âmbito da Administração indireta para formarem uma outra espécie, a Administração fundacional. As seguintes expressões aparecem nesses textos: "administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público." (art. 71, III); "administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público" (art. 169, §1º).
No entanto, outros dispositivos despertam entendimento no sentido da inclusão das fundações na Administração indireta. Assim, o art. 49 elenca entre as competências do Congresso Nacional (inc. X), o controle dos atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração indireta. Pela corrente acima citada, as fundações instituídas pelo poder público estariam retiradas do controle parlamentar, o que é inaceitável. O caput do art. 70, que trata da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial exercida pelo Congresso nacional, também usa somente a expressão "administração direta e indireta". Estariam as fundações imunes a essa fiscalização, por integrarem um "administração fundacional" não indicada no dispositivo? Evidente que não.
Por outro lado, o Dec.-lei 200/67 arrola as fundações pública entre as entidades da Administração indireta. E todas as leis de reestruturação da Administração federal, posteriores à Constituição de 1988, mencionam somente Administração direta e indireta.
Assim sendo, melhor parece considerar as fundações públicas, cujas características correspondam aos preceitos do art. 5º, IV, do Dec.-lei 200/67, como entidades da Administração indireta.
Outra controvérsia surgiu no tocante à natureza jurídica das fundações instituídas e mantidas pelo poder público. Num primeiro momento, os debates doutrinários se centravam na viabilidade de haver fundação com a natureza de pessoa jurídica de direito público. Segundo uma corrente, só poderia haver fundação com a natureza de pessoa jurídica de direito privado, sobretudo ante o contido no inc. I do art. 16 do Código Civil de 1916: mesmo criada e mantida pelo poder público, a fundação só poderia ter personalidade de direito privado ou não seria fundação. Outra corrente defendia a viabilidade da fundação como pessoa jurídica de direito público: se fosse criada por lei, com recursos públicos e finalidades públicas, deveria ter personalidade jurídica pública, sendo espécie do gênero autarquia. Os textos legais que instituíram fundações, a partir de 1960, salvo poucas exceções, atribuíram a elas personalidade jurídica privada ou silenciaram nesse aspecto. Exemplo de fundações criadas como pessoa jurídica de direito público encontram-se na Fundação Memorial da América Latina, do Estado de São Paulo (Lei estadual 6.472, de 28.06.1989, e Decreto 30.233, de 08.08.1989), e na Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Lei estadual 10.207, de 08.01.1999).
As controvérsias a respeito das fundações instituídas pelo poder público parecem ter se acentuado a partir da década de 80 do século XX, ante o seguinte: a) reinclusão das fundações na Administração indireta, a partir de 21.11.1986; b) aplicação, em grande escala, de preceitos de direito público em geral e do direito administrativo às fundações públicas, determinada por vários dispositivos da Constituição de 1988; c) extensão, na esfera federal, do regime estatutário ao pessoal que trabalha nas fundações públicas, por força do art. 39 da Constituição de 1988.

(ODETE MEDAUAR - 20ª edição - Direito Administrativo Moderno - p. 100 - Editora RT)