quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Títulos de crédito e a predominância do caráter pro solvendo

Os títulos de crédito têm natureza pro solvendo, eis que entregues para serem saldados ou pagos daí a certo tempo. É pro solvendo o título quando não significa a efetivação do pagamento com a sua simples entrega. Tanto que representa uma quantia em dinheiro, que o credor receberá em momento oportuno. A posse ou propriedade do documento não importa em disposição da cifra que encerra. Ademais, permite a discussão da causa debendi. Mesmo que verificada a prescrição, não se afasta a ação ressarcitória por enriquecimento indevido. Segue Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior: "a) Ocorrendo prescrição ou decadência de natureza cambiária, o portador do título tem ação de enriquecimento sem causa em face do devedor, baseado na relação causal que originou o título (Lei do Cheque, art. 62,  e Decreto nº 2.044/1908, art. 48); b) O devedor acionado pelo credor com quem se relaciona diretamente no título pode, em embargos, arguir a relação causal entre eles existentes para não pagar ou pagar a menor o título executado (Decreto nº 2.044/1908, art. 51), e da mesma forma o devedor, quando acionado por terceiro adquirente de má-fé (LUG, art. 17, e Lei do Cheque, art. 25). Disso resulta que, em regra, o título de crédito é emitido com natureza pro solvendo (para pagamento), e, assim, a relação causal só se extingue com o pagamento do título de crédito."
A mera entrega do título não extingue o crédito, Mesmo porque o pagamento se concretiza quando vencer o título, com a entrega da importância lançada em sua face.
O título pro soluto acarreta a extinção da obrigação com a sua transferência ao credor, pois corresponde ao pagamento. Numa escritura pública, assinala-se expressamente a quitação com a simples tradição do título. Reclama-se, para operar esse efeito, de cláusula explícita, o que raramente acontece, dadas as cautelas que se deve ter na interpretação. Acontece que, especialmente na compra e venda, uma vez confreida essa feição, só resta ao comprador executar o título, não lhe assistindo a resolução por inadimplemento.

Arnaldo Rizzardo  in Títulos de Crédito

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Desvirtuamento de estágio gera vínculo empregatício

Professor admitido para ministrar aulas para o projeto Universidade para Todos deve receber os benefícios assegurados em norma coletiva. Esta é a decisão da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou o recurso da Fundação Ceciliano Abel de Almeida (FCAA), do Espírito Santo, que pretendia isentar-se da obrigação. A Turma considerou que houve desvirtuamento do contrato de estágio, resultando na relação de trabalho entre as partes.

O trabalhador, admitido em 2005, ajuizou reclamação trabalhista contra a fundação requerendo a declaração de vínculo empregatício, pagamento de verbas rescisórias e os benefícios previstos em norma coletiva. A FCAA afirmou que proporcionava aplicação prática ao aluno pelo estágio, cumprindo com o objetivo de apoiar o Projeto Universidade para Todos. A instituição declarou, ainda, que firmou um termo de compromisso de estágio e que o autor da ação era matriculado em curso correspondente às suas atividades e com frequência devidamente cumprida.

Na primeira instância, o contrato de estágio foi considerado nulo, sendo reconhecida a existência de relação de emprego. A sentença também destaca que ficou demonstrado que o empregado participou de atividades ligadas ao curso, mas a empresa mantivera a relação de estágio apenas. A condição de professor foi ainda confirmada por testemunhas, de acordo com os autos.

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, relator do processo no TST, considera que a decisão não contraria a Súmula 374, segundo alegou a FCAA. A fundação tentou se desobrigar de honrar benefícios por não participar da celebração da norma coletiva, considerando-se categoria diferenciada. No entanto, segundo o ministro, o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, do Espírito Santo, deixa a certeza da finalidade da fundação, de apoio à Universidade Federal do Espírito Santo, que está relacionada a projetos de ensino. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

(www.conjur.com.br )

domingo, 16 de outubro de 2011

Teoria objetiva ou da declaração

A teoria da declaração constitui, em certo sentido, a antítese da teoria da vontade, ou subjetiva.
Seus partidários aduzem, preliminarmente, que a regra da invalidade da declaração sem vontade não possui o alcance irrestrito que se lhe pretende atribuir, pois comporta inúmeras exceções, tais, entre outras, as seguintes: a) - não se aplica às cláusulas acessórias ou não essenciais dos atos jurídicos; b) - não atua quando a causa da divergência apenas consiste na reserva mental do declarante; c) - nas declarações de vontade destinadas a produzir efeitos entre ausentes, pode o emitente retratar-se, enquanto sua declaração não chegar ao conhecimento do destinatário, mas, se a declaração de retrato não for por este recebida antes ou ao mesmo tempo da declaração inicial, esta prevalecerá sobre aquela, vinculando o declarante. Em todos esses casos e em outros  mais, acrescentam, o declarante, de fato, não quis ou já não quer o que declarou e, no entanto, sua declaração deve prevalecer; e se a aludida regra  possuísse eficácia absoluta, então, dizem ainda os objetivistas, deveríamos também admitir que o erro inexcusável do declarante seria causa de invalidade da declaração, o que, por direito, não se permite.
Assim sendo, afirma-se,  o que é decisivo não é a vontade do autor da declaração, mas aquilo que, a bom direito, como vontade aparece a quem a declaração se dirige.
Mas, nem todos os sequazes dessa teoria a sustentam até suas consequências extremas, pois, em sua mor parte, ora a aplicam só às declarações entre vivos, ora aos contratos bilaterais tão somente.Fundamento principal por todos adotado é o da necessidade de proteção da segurança do comércio jurídico, em atenção à tendência de se equiparar à realidade a aparência que, de boa fé, como realidade se toma. O próprio Windscheid (nota 1ª ao § 75 de suas Pandectas) já reconhecia que 'essa tendência se afirmou, energicamente, no mundo moderno', acrescentando, porém, que semelhante argumento (quando mesmo razões outras não existissem, contrárias à tese do caráter decisivo da declaração), argumento seria de lege ferenda e não de lege data. O mesmo autor esclarece que não logrou acolhida a tese de Leonhard segundo a qual, nas fontes, o consensus designa o acordo de declarações e não o acordo de vontades.
Por mais respeitável que se afigure o propósito de imprimir segurança às relações disciplinadas pelo direito, nem por isso poder-se-á desconhecer a função fundamental dos elementos volitivos na formação e na eficácia dos atos jurídicos, mesmo que se reduza o campo de aplicação dessa teoria aos atos inter vivos, ou tão só, aos contratos bilaterais, admitindo-se, ainda apenas dentro destes limites, como regra, o predomínio da declaração sobre a vontade, em caso de conflito.

(Ato Jurídico - Vicente Ráo)

Ihering e a posse

Segundo Ihering a posse é a exteriorização ou visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional existente normalmente entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a função econômica desta. O importante é o uso econômico ou destinação econômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa. Por exemplo, se virmos alguns materiais junto a uma construção, apesar de ali não se encontrar o possuidor, exercendo poder sobre a coisa, a circunstância das obras e dos materiais indica a existência da posse de alguém.
São elementos constitutivos da posse : a) o corpus, exterioridade da propriedade, que consiste no estado normal das coisas, sob o qual desempenham a função econômica de servir e pelo qual o homem distingue quem possui e que não possui; e b) animus ou affectio tenendi, que já está incluído no corpus, indicando o modo como o proprietário age em face do bem de que é possuidor. Com isso o corpus é o único elemento visível e suscetível de comprovação, estando vinculado ao animus, do qual é manifestação externa. A dispensa da intenção de dono na caracterização da posse permite considerar como possuidores, além do proprietário, o locatário, o comodatário, o depositário etc.
O possuidor é o que tem o pleno exercício de fato dos poderes constitutivos do domínio ou somente de alguns deles, como no caso dos direitos reais sobre a coisa alheia, como o usufruto, a servidão etc.
O Conselho da Justiça Federal, na III Jornada de Direito Civil, interpretando os arts. 1.196, 1.205 e 1.212 do novo Código Civil, entendeu, no Enunciado n. 236: 'Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica.'

(Comentários ao art. 1.196 - Código Civil Anotado - Maria Helena Diniz - 14ª edição - Editora Saraiva )

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Nova lei das cautelares e o CPP. A quem interessa a Lei 12.403/11?

Nova Lei das Cautelares só interessa aos criminosos
Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 5 de maio de 2011 a Lei 12.403/11. Alterou dispositivos da Lei Processual Penal, relativos à prisão processual, à fiança, à liberdade provisória e demais medidas cautelares.
A referida lei modificou diversos artigos do Código de Processo Penal, revogando outros, trazendo modificações significativas no tratamento da prisão cautelar, as quais ocasionaram forte impacto no controle da criminalidade, fazendo subir, em poucos dias, assustadoramente, a quantidade de crimes que assola a população brasileira.
Isso porque, a par de todas as iniciativas legislativas e governamentais já existentes para evitar a prisão do criminoso definitivamente condenado, que nunca cumpre a sua pena na integralidade e sempre se beneficia de inúmeros benefícios legais para continuar solto ou ganhar a liberdade em curtíssimo espaço de tempo, a nova lei praticamente proibiu que uma pessoa acusada de crime aguarde presa o desfecho do processo.
Em termos de custódia processual – prisão sem pena, a prisão preventiva, é a que mais se aproxima da ideia de prisão cautelar, sendo necessários, para sua decretação, dois requisitos já bastante conhecidos: fumus delicti comissi e periculum libertatis. A fumaça do bom Direito vem consubstanciada na prova da existência do crime e nos indícios suficientes de autoria. O perigo na demora, de seu turno, demanda um dos seguintes fatores: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e segurança na aplicação da lei penal.
Entretanto, mesmo presentes esses requisitos legais, fazendo-se necessária, até mesmo imprescindível, a custódia cautelar do acusado, a Lei nº 12.403/11 apenas permitiu a decretação da prisão preventiva em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos.
A bem da verdade, há que se mencionar outras poucas hipóteses de decretação de prisão preventiva admitidas pela lei, como os casos de reincidência em crime doloso e crimes envolvendo violência doméstica e familiar.
Mas, e nos demais casos? E nos casos de crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade de até quatro anos, em que haja real necessidade de decretação da custódia cautelar?
Nesses casos, a lei autoriza apenas a aplicação de pífias medidas cautelares, arroladas no artigo 319 do Código de Processo Penal. São eles o comparecimento periódico em juízo (que a prática já demonstrou ser inviável, pois o acusado não a cumpre), proibição de manter contato com determinada pessoa (que o acusado também raramente cumpre, até porque inexiste qualquer tipo de fiscalização), proibição de ausentar-se da comarca – ou do país –, entre outros. Basta lembrarmos recentes casos de criminosos notórios, condenados a penas muito altas, que, a pretexto de serem inocentes até o trânsito em julgado de sentença condenatória, obtiveram o direito de permanecer em liberdade e fugiram imediatamente do país.
Seguem-se: recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (medida risível, considerando a ausência de fiscalização e controle), monitoração eletrônica (que vem apresentando sérios problemas de fiscalização nas hipóteses em que já foi anteriormente aplicada, como nos casos de saídas temporárias de presos, que não retornaram ao sistema prisional), dentre outras. Isso sem contar que as referidas medidas cautelares alternativas à prisão podem ser aplicadas em qualquer caso, inclusive em crimes graves e hediondos, desde que o juiz entenda não ser o caso de prisão preventiva,concedendo ao acusado a liberdade provisória.
Figura, ainda, como grande novidade trazida pela nova lei a prisão domiciliar, tratada nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
Fica a pergunta: quem irá fiscalizar essa prisão domiciliar? Como será feita essa fiscalização? Até o momento não se tem conhecimento de nenhuma medida viável de obrigatoriedade de cumprimento dessa medida pelo acusado.
Inegavelmente, o intuito das novas disposições relativas às medidas cautelares é reduzir e, até mesmo, evitar a prisão processual, seja substituindo a prisão em flagrante por medida cautelar, seja evitando a decretação de prisão preventiva no curso da instrução.
Engana-se quem pensa, como os garantistas de ocasião, que surfam na onda do politicamente correto, que a intenção do legislador – que inegavelmente atuou de acordo com os interesses do poder público – foi instituir um sistema mais justo para evitar a antecipação da condenação, permitindo ao supostamente inocente aguardar o desfecho de seu processo em liberdade, evitando uma injustiça. A intenção do legislador, acossado pelas pretensões estatais, foi a de diminuir a pressão no sistema prisional sem gastos financeiros e investimentos, optando pela solução mais simplista e contrária ao interesse público: soltar o preso.
Sim, porque desde a entrada em vigor da referida lei antiprisão, milhares de detentos ganharam as ruas. A maioria deles retornando ou permanecendo na vida do crime e vitimando a parcela honesta da população brasileira, que não tolera mais tanto descaso do poder público com a segurança, com o sistema prisional, com a polícia, com a Justiça, e clama por um Direito Penal máximo, garantista da sociedade.
Fica, então, a pergunta que reproduz o título deste breve artigo: a quem interessa a Lei 12.403/11? Uma certeza eu tenho: à sociedade brasileira é que não é!

Ricardo Antonio Andreucci é procurador de Justiça Criminal do MP de São Paulo, doutor e mestre em Direito e coordenador pedagógico do Complexo de Ensino Andreucci. É também professor da Escola Superior do Ministério Público – SP e da Escola Superior de Advocacia (ESA)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Cautio pro Expensis

Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento. (CPC)

1. Cautio pro Expensis. Refere-se tão somente às despesas processuais. O art. 835, CPC, não impõe de modo nenhum depósito de valor equivalente ao bem objeto do litígio judicial (STJ, 4ª Turma, REsp 443.445/SP, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 15.10.2002, DJ 02.12.2002, p. 320). Não é necessário demanda própria para prestação de caução incidental (STJ, 3ª Turma, REsp 42424/SP, rel. Min. Costa Leite, j. em 08.11.1994, DJ 19.12.1984, p. 35.309). O juiz pode dertminar a prestação de cautio pro expensis de ofício.

2. Constitucionalidade. Não há nenhuma inconstitucionalidade a priori na exigência constante do art. 835, CPC. A imposição de cautio pro expensis está em consonância com o art. 5º, XXXV e LIV, CRFB - não viola o direito fundamental ao processo justo e à tutela jurisdicional adequada e efetiva dos direitos. Todavia, sempre que se verificar, em concreto, que a necessidade de caução às despesas processuais ao demandante estrangeiro obsta a instauração do processo ou o seu prosseguimento, violando o seu direito fundamental de acesso à justiça, é de ser dispensada, por inconstitucional. Observe-se que a inviabilidade de arcar com o depósito nesse caso não diz respeito ao eventual estado de pobreza da parte autora. Por vezes, embora não se trate de pessoa pobre, por ser estrangeira, todos os seus recursos financeiros encontram-se no exterior e, eventualmente, imobilizados. É indevida a exigência de caução às despesas processuais em semelhantes situações.

3. Demandante. Nas ações em que a pessoa jurídica estrangeira for demandada não é devida a prestação de caução. É devida apenas naquelas em que figure como autora, ressalvada a dispensa legal (art. 836, I, CPC). Figurando como autora em demandas incidentais ao processo em que inicialmente aparece como demandada, as despesas processuais eventualmente daí oriundas, em regra, devem ser caucionadas, salvo disposição em contrário. (art. 836, II, CPC).

4. Qualquer Espécie da Ação.  Pouco importa a espécie de providência jurisdicional ou de tutela do direito postulada pelo demandante estrangeiro. Para efeitos de necessidade de caução, interessa apenas a condição de autora que ostenta a parte - figurando como demandante, e não sendo dispensada a caução pela ordem jurídica (art. 836 CPC), é devida sua prestação.

5. Momento. Não é necessário que a caução seja  prévia à propositura da demanda, nem que o depósito acompanhe a petição inicial. O importante é que seja prestada de modo a inspirar confiança no juízo e na parte adversa de que o atendimento às despesas processuais, caso sejam devidas, ocorrerá. Já se decidiu que "eventual retardo no implemento da caução do art. 835 do CPC não rende ensejo à nulidade do processo, notadamente se, como na espécie, somente foi suscitada a falta em sede de embargos declaratórios ao acórdão de apelação" (STJ, 4ª Turma, REsp 307.104/DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 03.06.2004, DJ 23.08.2004, p. 239). Nesse mesmo sentido: "Não acarreta a nulidade do processo o depósito tardio da caução exigida pelo art. 835 do CPC, falta que não prejudicou o processo nem causou dano à parte" (STJ, 4ª Turma, REsp 331.022/RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 07.03.2002, DJ 06.05.2002, p.296).

6. Benefício da Gratuidade.  Se o demandante estrangeiro se encontra impossibilitado de arcar com as despesas processuais por ser pessoa carente, então não está obrigado a prestar a caução de que trata o art. 835, CPC (art. 2º, Lei 1.060,de 1950).

(Código de Processo Civil -  Comentado artigo por artigo - Luiz Guilherme Marinoni. Daniel Mitidiero - Editora Revista dos Tribunais - 2ª edição revista, atualizada e ampliada).

Tratamento para presos em Minas Gerais

MP-MG pede que estado ofereça tratamento para presos

“Não basta ressocializar preso com trabalho ou gastar com assistência jurídica, pois precisam é de tratamento para dependente químico”. Com esse argumento, na sexta-feira (7/10), o promotor André Luís Alves Melo, apresentou uma Ação Civil Pública pedindo que Minas Gerais e o município de Araguari custeiem o tratamento de presos usuários de drogas. Segundo ele, “80% dos presos são dependentes químicos e metade quer tratamento, mas não consegue”. O presídio de Araguari abriga 260 presos e quase 50% destes presos são pequenos traficantes que vendem drogas para manterem o vício.
Na inicial, o promotor lembra que a Lei 11.343, de 2006, “impôs a severidade necessária para o traficante, com penas de cinco a quinze anos de prisão e o tráfico é tratado como crime hediondo por equiparação. Mas, a questão do usuário foi remetida à saúde pública que não possui estrutura eficaz para lidar com o problema”.
Ele pede “o tratamento de toxicômanos no presídio masculino, a partir de 18 anos, provisórios ou condenados à pena privativa de liberdade, pelo uso de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, com vista à sua reintegração no meio familiar, social e profissional, no próprio estabelecimento prisional, condicionada a prévia manifestação do recluso de seu interesse em se submeter ao tratamento”.
De acordo com o pedido, “os CAPS [Centro de Atendimento Psicossocial] criados em nosso município, o qual possui equipe de médicos, psicólogos especialmente treinados para este tratamento não tem disposição para tratar os reclusos dentro do presídio em Araguari, o que inviabiliza o deslocamento dos interessados ao tratamento até essas unidades, tendo em vista a necessidade de efetivo para fazer esse transporte, o risco de fugas e a insegurança social provocada”.
Segundo o promotor, “na prática, município e estado ficam passando a bola, pois o Município alega que apenas faz atendimento no Caps, o que é inviável para deslocamento de presos e a equipe médica do presídio alega que não tem treinamento”.
Hoje, conta o promotor, a Subsecretaria de Administração Prisional oferece, nas unidades prisionais, em especial em Araguari, uma equipe multidisciplinar composta por: psicólogo, assistente social, médico e enfermeiro. “Porém falta aos funcionários treinamento específico para ministrar tratamento e reabilitação dos presos que são dependentes químicos”, conta.
A Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 1990, que regulamenta os serviços de saúde em todo o território brasileiro determina, lembra a petição, que a saúde é direito fundamental e que o Estado deve prover condições indispensáveis para o seu pleno exercício.
“A ausência de políticas públicas de prevenção e tratamento dos dependentes químicos, em especial os que estão presos, bem como de seus familiares tem propiciado uma distorção da ordem pública e ou social, a comprometer sobremaneira o funcionamento e desenvolvimento regular das famílias e, por consequência, da sociedade”, escreve o promotor André Luís Melo.

Improbidade administrativa: desonestidade na gestão dos recursos públicos

 A Lei 8.429 de 1992, conhecida com Lei de Improbidade Administrativa (LIA), está prestes a completar 20 anos de vigência, mas ainda gera muitas discussões na justiça. É enorme a quantidade de processos que contestam questões básicas, como a classificação de um ato como improbidade e quem responde por esse tipo de conduta. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar processos discutindo dispositivos da LIA em 1996 e, desde então, foram proferidas mais de 8.700 decisões, entre monocráticas e colegiadas.

Os artigos 9º, 10 e 11 da lei trazem extenso rol de atos ímprobos. O artigo 9º trata da improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito e o artigo 10 aborda a modalidade que causa dano ao erário, por ação ou omissão, dolosa ou culposa. Por fim, o artigo 11 traz os atos que violam os princípios da administração pública, como legalidade, moralidade e imparcialidade.

A jurisprudência do STJ consolidou a tese de que é indispensável a existência de dolo nas condutas descritas nos artigos 9º e 11 e ao menos de culpa nas hipóteses do artigo 10, nas quais o dano ao erário precisa ser comprovado. De acordo com o ministro Castro Meira, a conduta culposa ocorre quando o agente não pretende atingir o resultado danoso, mas atua com negligência, imprudência ou imperícia (REsp 1.127.143).

Nos casos do artigo 11, a Primeira Seção unificou a tese de que o elemento subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo genérico, ou seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da administração pública. Assim, não é necessária a presença de dolo específico, com a comprovação da intenção do agente (REsp 951.389).

Improbidade x irregularidade

No julgamento do REsp 980.706, o ministro Luiz Fux (atualmente no Supremo Tribunal Federal) lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, o elemento subjetivo é essencial para a caracterização da improbidade administrativa, que está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público. “Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10 da Lei 8.429)”, ressalvou o ministro.

São autores do recurso três pessoas condenadas em ação civil pública que apurou irregularidades na concessão de duas diárias de viagem, no valor total de R$ 750,00. Seguindo o voto de Fux, a Primeira Turma absolveu as pessoas responsáveis pela distribuição das diárias por considerar que não houve prova de má-fé ou acréscimo patrimonial, ocorrendo apenas mera irregularidade administrativa. Somente o beneficiário direto que recebeu as diárias para participar de evento ao qual não compareceu é que foi obrigado a ressarcir o dano aos cofres públicos e a pagar multa.

Um ato que isoladamente não configura improbidade administrativa, quando combinado com outros, pode caracterizar a conduta ilícita, conforme entendimento da Segunda Turma. A hipótese ocorreu com um prefeito que realizou licitação em modalidade inadequada, afinal vencida por empresa que tinha sua filha como sócia.

Segundo o ministro Mauro Campbell, relator do REsp 1.245.765, a participação da filha do prefeito em quadro societário de empresa vencedora de licitação, isoladamente, não constituiu ato de improbidade administrativa. A jurisprudência também não enquadra na LIA uma inadequação em licitação, por si só. “O que se observa são vários elementos que, soltos, de per si, não configurariam, em tese, improbidade administrativa, mas que, somados, formam um panorama configurador de desconsideração do princípio da legalidade e da moralidade administrativa, atraindo a incidência do artigo 11 da Lei 8.429”, afirmou Campbell.

Concurso público

A contratação de servidor sem concurso público pode ou não ser enquadrada como improbidade administrativa. Depende do elemento subjetivo. Em uma ação civil pública, o Ministério Público de São Paulo pediu a condenação, com base na LIA, de diversos vereadores que aprovaram lei municipal permitindo a contratação de guardas municipais sem concurso. Negado em primeiro grau, o pedido foi acatado pelo tribunal local. Os vereadores recorreram ao STJ (REsp 1.165.505).

A relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, entendeu que não houve dolo genérico dos vereadores, que tiveram inclusive a cautela de buscar parecer de jurista para fundamentar o ato legislativo. Por falta do necessário elemento subjetivo, a Segunda Turma afastou as penalidades de improbidade. A decisão do STJ restabeleceu a sentença, que anulou o convênio para contratação de pessoal depois que a lei municipal foi declarada inconstitucional.

Em outro processo sobre contratação irregular de pessoal sem concurso público, o STJ entendeu que era caso de improbidade administrativa. No REsp 1.005.801, um prefeito contestou sua condenação com base na LIA por ter permitido livremente a contratação sem concurso, e sem respaldo em qualquer lei. Segundo o acórdão, a conduta do prefeito contrariou os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade.

O relator, ministro Castro Meira, ressaltou trecho do acórdão recorrido apontando que a contratação não teve o objetivo de atender situação excepcional ou temporária para sanar necessidade emergencial. Foi admissão irregular para desempenho de cargo permanente. Todos os ministros da Segunda Turma entenderam que, ao permitir essa situação, o prefeito violou o artigo 11 da LIA.

Quem responde

O artigo 1º da Lei 8.429 afirma que a improbidade administrativa pode ser praticada por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa incorporada ao patrimônio público, entre outras.

O artigo 2º define que agente público é “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” nas entidades mencionadas no artigo 1º.

O artigo 3º estabelece que as disposições da lei são aplicáveis também a quem, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A dúvida restou quanto à aplicação da lei aos agentes políticos, que são o presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários, prefeitos, parlamentares e outros. O marco da jurisprudência do STJ é o julgamento da reclamação 2.790, ocorrido em dezembro de 2009.

Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, relator da reclamação, a Corte Especial decidiu que, “excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo presidente da República, cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal, não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade”.

Na mesma decisão e no julgamento da reclamação 2.115, também da relatoria de Zavascki, a Corte estabeleceu que a prerrogativa de foro assegurada pela Constituição Federal em ações penais se aplica às ações de improbidade administrativa. Por essa razão, no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento 1.404.254, a Primeira Turma remeteu ao Supremo Tribunal Federal os autos de ação de improbidade contra um ex-governador que foi diplomado deputado federal.

Ainda com base nessa jurisprudência, a Segunda Turma deu provimento ao REsp 1.133.522 para determinar a continuidade de uma ação civil pública de improbidade administrativa contra juiz acusado de participar de esquema secreto de interceptações telefônicas.

Quanto à propositura da ação, o STJ entende que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar demanda com o intuito de combater a prática de improbidade administrativa (REsp 1.219.706).

Independência entre as esferas

De acordo com a jurisprudência do STJ, a LIA não deve ser aplicada para punir meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares. Ela tem o objetivo de resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, à imoralidade qualificada e à grave desonestidade funcional.

No julgamento de agravo no REsp 1.245.622, o ministro Humberto Martins afirmou que a aplicação da LIA “deve ser feita com cautela, evitando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades”. Seguindo esse entendimento, a Primeira Turma não considerou como improbidade a cumulação de cargos públicos com a efetiva prestação do serviço, por valor irrisório pago a profissional de boa-fé.

Mesmo nos casos de má-fé, nem sempre a LIA deve ser aplicada. Foi o que decidiu a Primeira Turma no julgamento do REsp 1.115.195. O Ministério Público queria que o transporte e ocultação de armas de fogo de uso restrito e sem registro por policiais civis fossem enquadrados como improbidade.

O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que, apesar da evidente violação ao princípio da legalidade, a conduta não é ato de improbidade. “Assim fosse, todo tipo penal praticado contra a administração pública, invariavelmente, acarretaria ofensa à probidade administrativa”, afirmou o ministro.

Aplicação de penas

As penas por improbidade administrativa estão definidas no artigo 12 da LIA: ressarcimento aos cofres públicos (se houver), perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

De acordo com a jurisprudência do STJ, essas penas não são necessariamente aplicadas de forma cumulativa. Cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo com a natureza, gravidade e conseqüências do ato ímprobo. É indispensável, sob pena de nulidade, a indicação das razões para a aplicação de cada uma delas, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (REsp 658.389).

As duas Turmas especializadas em direito público já consolidaram a tese de que, uma vez caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento é obrigatório e não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas conseqüência imediata e necessária do ato combatido.

Desta forma, o agente condenado por improbidade administrativa com base no artigo 10 (dano ao erário) deve, obrigatoriamente, ressarcir os cofres públicos exatamente na extensão do prejuízo causado e, concomitantemente, deve sofrer alguma das sanções previstas no artigo 12.

No julgamento do REsp 622.234, o ministro Mauro Campbell Marques explicou que, nos casos de improbidade administrativa, existem duas consequências de cunho pecuniário, que são a multa civil e o ressarcimento. “A primeira vai cumprir o papel de verdadeiramente sancionar o agente ímprobo, enquanto o segundo vai cumprir a missão de caucionar o rombo consumado em desfavor do erário”, esclareceu Marques.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tráfico perto de escola e aumento de pena

O tráfico de entorpecentes realizado próximo a escolas basta para a incidência do aumento de pena previsto na Lei Antidrogas. A decisão, da Sexta Turma, manteve condenação a cinco anos e dez meses de reclusão em regime inicial fechado, mais multa, aplicada a um traficante.

O réu foi preso em flagrante com 11 porções, totalizando 34 gramas de cocaína. Ele alegou que a droga se destinava ao próprio uso. O dinheiro em seu poder seria para o consumo de cerveja. Porém, a Justiça afirmou a inconsistência da defesa, porque seria incompatível com sua renda mensal e a necessidade de sustento da companheira e filha.

Para a defesa, ele deveria ser beneficiado com a diminuição de pena por se tratar de agente primário e de bons antecedentes, sem envolvimento com organização criminosa nem dedicação ao crime.

Além disso, a causa de aumento de pena pelo local de prática do tráfico exigiria a demonstração de seu relacionamento com os frequentadores da escola. Pelo pedido, se ele apenas estava próximo às escolas, mas não pretendia atingir os estudantes, não se poderia aplicar a causa de aumento estabelecida no artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06.

Atividade habitual

A ministra Maria Thereza de Assis Moura, no entanto, afirmou que as instâncias ordinárias fixaram fundamentadamente o entendimento de que o traficante atuava de forma habitual, dedicando-se, portanto, à atividade criminosa e afastando a possibilidade de diminuição de pena.

Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), fazia algumas semanas que o condenado atuava no local e ele trazia dinheiro resultante da venda de cocaína, o que demonstraria sua intenção de traficância habitual e permanente.

Quanto ao aumento da pena pela proximidade das escolas, a ministra também ratificou o entendimento do TJSP. O fato de o crime ter sido praticado em horário e local de trânsito de alunos de dois estabelecimentos de ensino atrai a incidência da regra.

Com base na jurisprudência do STJ, a relatora afirmou que “a constatação de que o crime de tráfico de drogas era praticado nas imediações de estabelecimento de ensino, hipótese dos autos, dispensa a demonstração de que o réu comercializava entorpecentes diretamente com os alunos da escola”.