quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O Jus Variandi como exceção ao Princípio da Inalterabilidade

O princípio do jus variandi consiste no direito que possui o empregador de alterar unilateralmente, em casos excepcionais, as condições de trabalho dos seus empregados. Em decorrência do poder de direção do empregador a lei autoriza pequenas modificações unilaterais no contrato de trabalho que não venham a mudar significativamente o pacto laboral.
Representa o jus variandi um abrandamento do princípio geral da imodificabilidade das condições de trabalho. O jus variandi possibilita alterações excepcionais referentes à função, ao salário e ao local da prestação dos serviços. Alterações rotineiras, como mudança de horário, modificação da seção ou do departamento em que  o empregado presta seus serviços, etc., são justificados por esse princípio.
O empregador poderá alterar, excepcionalmente, a função do empregado. É o que ocorre, por exemplo, quando o empregador dispensa o empregado da função de confiança que exercia e determina seu retorno à função anterior. Nesse caso, a CLTA autoriza expressamente a movimentação do empregado dispondo que "não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício da função de confiança" (art. 468)
Uma outra hipótese de aplicação do jus variandi encontra-se plasmada no art. 450 da CLT, segundo o qual "ao empregado chamado a ocupar, em comissão, interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do tempo naquele serviço, bem como a volta ao cargo anterior".
Ainda, a CLT, em seu art. 461, § 4º, trata de mais uma situação que pode ocorrer alteração de função do trabalhador. É o caso do empregado readaptado em razão de deficiência física ou mental atestada pelo INSS, que passa a exercer uma nova função compatível com a limitação por ele sofrida em suas habilidades.
A doutrina, arrimada no princípio do jus variandi, admite a alteração de função do empregado em outras hipóteses, desde que presentes razões justificadoras para tal atitude. Pode acontecer, por exemplo, a necessidade de extinção de cargos em certos estabelecimentos da empresa, hipótese em que, ela, a fim de evitar a dispensa dos empregados, pode aloca-los em outras atividades compatíveis com as anteriormente exercidas.
Essas alterações de função, no entanto, devem ser efetuadas dentro de critérios de razoabilidade, não podendo implicar significativa modificação das qualificações do trabalho desenvolvido. Caso contrário, serão tidas por ilegítimas, ficando assegurado ao empregado o direito de considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a indenização a ele devida como se houvesse sido dispensado sem justa causa. Configura-se, nessa situação, a justa causa do empregador (contra o empregador), pressuposto da chamada dispensa indireta (CLT, art. 483, "d"). É a aplicação do princípio do ius resistentiae, que assegura ao empregado o direito de resistir às alterações injustas, ou a ele prejudiciais, impostas pelo empregador.
Em relação ao salário, o jus variandi justifica algumas alterações de seu valor pelo empregador, desde que presentes razões inequivocamente justificadoras, especialmente relacionadas com aspectos técnicos da prestação de serviços. Se o empregado recebe o salário por unidade produzida, laborando com uma máquina obsoleta, de baixa produtividade, e esta vem a ser substituída pelo empregador por uma moderna, com capacidade de produção horária muito superior à da antiga, o empresário poderá mudar o salário do empregado, ajustando-o à nova realidade de produção. Caso contrário, o empregado passaria a receber um salário desmesurado, se comparado aos salários vigentes no mercado, percebidos por trabalhadores com nível de qualificação equivalente ao seu, fato que terminaria por acarretar sua demissão pelo empregador e a contratação de um outro empregado remunerado sob novos parâmetros.
A CLT permitia outra hipótese de alteração unilateral de salário, em casos de força maior ou prejuízos devidamente comprovados (art. 503). Esse dispositivo, contudo, foi derrogado pela Constituição Federal, que somente permite a redução salarial mediante acordo ou convenção coletiva, (art. 7º, VI). É bem verdade que a previsão constitucional não reclama motivação para a redução. Significa dizer que nada impede que diante de um caso de força maior haja redução do salário. Entretanto,  essa alteração não está mais no poder do empregador, uma vez que a Constituição estabelece a negociação coletiva como condição imprescindível para a redução.
 
O empregador pode, ainda, com base no princípio do jus variandi, alterar o local de trabalho do empregado, decidindo unilateralmente sua transferência, desde que haja necessidade de serviço (CLT, art. 469, § 3º) ou extinção do estabelecimento em que trabalhe o empregado.
 
(Vicente Paulo - Marcelo Alexandrino - Manual de Direito do Trabalho -  Gen/ Método/Vicente & Marcelo editores)

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Extinção do contrato de trabalho - Extinção da empresa

Uma empresa pode extinguir-se por vários motivos: força maior, ato do governo (ex.: desapropriação), impossibilidade de prosseguimento do negócio etc. Pode, também, ocorrer simplesmente a extinção de um dos seus estabelecimentos ou filiais. Ou, menos ainda, de uma das seções.
Havendo extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades, a Lei n. 8.036, de 1990, art. 20,II, autoriza o saaque do Fundo de Garantia pelo empregado.

(Amauri Mascaro Nascimento - Iniciação ao Direito do Trabalho - LTR)

Extinção do contrato de trabalho - Morte do Empregador

A morte do empregador pessoa física por si não interfere na extinção do contrato se o negócio prosseguir com outros titulares. Interfere se houver extinção da empresa.
Nesse caso, a Lei n. 8.036, de 1990, art. 20, II, autoriza o empregado a sacar os depósitos do Fundo de Garantia, sempre que a morte do empregador individual implique rescisão do contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada em julgado. A CLT, art. 483, §2º, dispõe que, "no caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho."

(Amauri Mascaro Nascimento - Iniciação ao Direito do Trabalho - LTR)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO EMPREGADO - DISPENSA INDIRETA

O conceito de dispensa indireta em nosso direito não é difícil, entendendo-se como tal a rescisão do contrato de trabalho por decisão do empregado, tendo em vista justa causa que o atingiu praticada pelo empregador (CLT, art. 483). Impõe-se a imediata ruptura do vínculo, o que equivale à necessidade de cessar o trabalho por ato do empregado. A CLT não prevê forma para esse ato. Pode traduzir-se em comunicação verbal ou escrita. Pode nem haver comunicação, mas simples afastamento do serviço, com um risco. O empregador não terá ciência oficial do motivo que levou o empregado a deixar de trabalhar. Interpretará suas ausências como quiser, inclusive como abandono de emprego. Portanto, convém que o empregado faça uma comunicação de alguma forma. Terá direito a reparações econômicas. Dificilmente o empregador reconhecerá que praticou contra o empregado justa causa. Assim, é parte complementar  e indispensável da figura do processo judicial para definição dos fatos e decisão da Justiça do Trabalho. O emprego, qualquer  que venha a ser a sentença judicial, estará terminado. Tudo quanto se discutirá no processo serão as reparações econômicas. Julgada improcedente a ação, o empregado não as terá.
Essa via de desvinculação do trabalhador, dispensa indireta, não o obriga a permanecer na empresa durante o período de aviso prévio ao empregador. Afasta-se imediatamente e pronto. Aliás,. se não o fizer, se continuar trabalhando após a justa causa de que se julga vítima, é possível que se descaracterize a justa causa  por falta de imediação. A resposta do empregado à falta que sofreu deve ser imediata, tal como quando o empregador o despede por justa causa. A ruptura do contrato de trabalho deve ser instantânea. A razão, simples de entender, é que ninguém é obrigado a prosseguir com um contrato no qual a outra parte descumpriu um das suas obrigações.
A partir de 1983, com a Lei n. 7.108, foi acrescentado ao art. 487 da CLT o §4º dispondo que "é devido o aviso prévio na despedida indireta."
Dispõe o art. 483 da CLT  que o empregado poderá considerar rescindido o seu contrato de trabalho e pleitear a devida indenização (CLT, art. 477), em virtude de falta do empregador. Terá, nesse caso, assegurado, inclusive por via judicial,  seu direito ao FGTS, aviso prévio, décimo terceiro salário proporcional |(Lei n. 4.090, art. 3º) e férias proporcionais. Poderá levantar os depósitos do Fundo de Garantia, inclusive com pagamento de acréscimo a ser efetuado pelo empregador.

(Iniciação ao Direito do Trabalho - Amauri Mascaro Nascimento - LTR)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR DECISÃO DO EMPREGADO - DO PEDIDO DE DEMISSÃO

De três modos pode o empregado dar por rescindido o contrato de trabalho: por pedido de demissão, por dispensa indireta e por aposentadoria. Esta nem sempre é o resultado de sua vontade, embora quase sempre o seja. Há aposentadorias que resultam de circunstâncias alheias à vontade do empregado, como a invalidez, mas em número bem menor, não constituindo a regra geral.

DEMISSÃO. Pedido de demissão é a comunicação do empregado ao empregador de que não pretende mais dar continuidade ao contrato de trabalho. Não tem forma prevista em lei, mas segundo a praxe é escrita.. Tem de ser feita com certa antecedência (CLT, art. 487), constituindo, portanto, em aviso prévio, que uma vez não cumprido pode prejudicar o empregado. A falta de aviso prévio do empregado que pede demissão autoriza o empregador a reter o saldo de salários, se o tiver (CLT, art. 487, § 1º). O empregado tem o dever de aguardar  em serviço o decurso do prazo do aviso prévio, a menos que o empregador concorde em liberá-lo.
Quando o empregado permanece no emprego durante o período de aviso prévio podem surgir problemas jurídicos decorrentes de fatos supervenientes e que complicam o desfecho. É o caso do abandono do restante do prazo, às vezes até por um fato inafastável, como a obtenção de um novo emprego a ser imediatamente assumido. De acordo com a STST n. 73, "a ocorrência de justa causa, salvo a de abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória". Interprete-se essa jurisprudência como favorável ao empregado. Preserva as reparações econômicas a que tem direito, ainda que abandone o emprego no decurso do aviso prévio. Porém, se o empregado incorre em justa causa e o empregador o despede, o fato de ter sido praticada a falta no curso do aviso prévio resultante de pedido de demissão - ou mesmo de dispensa imotivada - prejudicará as reparações econômicas. A regra, portanto, pode ser expressada da seguinte maneira: justa causa no curso do aviso prévio centraliza a caracterização do modo de extinção do contrato de trabalho autorizando a dispensa com justa causa, uma vez que o período de aviso prévio tem natureza de tempo que se integra para todos os efeitos no contrato de trabalho. A causa originária que foi o motivo inicial que levou o empregado a desligar-se, o pedido de demissão, é absorvida pela dispensa com justa causa.
Outra questão jurídica que tem surgido é referente à eficácia do pedido de dispensa do cumprimento do aviso prévio pelo empregado. Quando é possível certificar-se de que ocorreu de manifestação livre da vontade, nada se poderá objetar, o ato é válido e o contrato terminará no último dia de trabalho, sem a contagem do aviso prévio, tratando-se aqui de uma renúncia no benefício do próprio trabalhador. Ele pode ter interesse inclusive de começar a trabalhar em novo emprego. Todavia, agrava-se a questão quando há suspeitas de vício da vontade. O empregado é levado a assinar documento sem que na realidade tenha manifestado essa pretensão de renunciar ao direito de cumprir no serviço o período de aviso prévio. Nesse caso é aplicável o disposto no art. 9º da CLT, que considera nulo todo ato destinado a desvirtuar, impedir ou fraudar seus dispositivos.
Ao demissionário é indevida indenização (CLT, art. 477). Terá direito ao décimo terceiro proporcional aos meses do ano (Lei nº 4.090, de 1962, art. 1º, e STST nº 157. Com menos de doze meses, o demissionário não terá férias proporcionais. Com mais de doze meses, terá direito às férias proporcionais (CLT, arts. 146, parágrafo único, e 147).

(AMAURI MASCARO NASCIMENTO - Iniciação ao Direito do Trabalho - Editora LTr - 36ª edição)




Constitucionalismo Social

O constitucionalismo social é o movimento que teve início em 1917, com a Constituição Mexicana, e que se caracteriza pela inserção dos direitos trabalhistas e sociais fundamentais nos textos das Constituições dos países.
Considerando-se que uma das principais funções do Estado é a promoção da justiça social, nada mais lógico do que a Constituição, como norma fundamental. prever os direitos e garantias básicas que levem à realização deste objetivo. As Constituições passaram a se preocupar também com o homem social, e não mais apenas com o homem político.
A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a construir uma estrutura significativa de direitos sociais do trabalhador e inspirou muitas Constituições de países da América Latina.
Na mesma esteira de constitucionalização dos direitos sociais, a Alemanha, em 1919, adotou a Constituição de Weimar, que continha um capítulo sobre a ordem econômica e social, previa a participação dos trabalhadores nas empresas e no próprio governo por meio de conselhos específicos, assegurava a liberdade sindical e colocava o trabalhador sob a proteção do Estado.
A Constituição de Weimar, por motivos óbvios, foi rechaçada pelo nazismo, mas, apesar de sua curta vigência, foi, em termos de direitos sociais, modelo para várias Constituições europeias.
Aos poucos, as Constituições modernas dos Estados democráticos foram reproduzindo os princípios das Cartas do México e da Alemanha, principalmente após a Declaração da Filadélfia de 1944, instrumento jurídico aprovado na Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizada naquele ano, e a a adoção pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, embora nem todas as Constituições hoje em vigor disponham especificamente sobre direitos sociais do trabalhador.
No âmbito constitucional, a análise do Direito do Trabalho no Brasil deve ser feita em dois períodos, tendo como marco divisor a Revolução de 1930, ou seja, as Constituições Brasileiras anteriores a 1930 (1824 e 1891) e as posteriores a 1930 (1934, 1937, 1946, 1967, com as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969, e 1988).
A primeira destas fases é caracterizada pela ausência de proteção aos trabalhadores. As Constituições de 1824 e de 1891 não continham qualquer previsão neste sentido. A Constituição do Império consagrava a filosofia liberal da Revolução Francesa e, portanto,  não poderia impor qualquer intervenção estatal nas relações contratuais de trabalho que, além do mais, eram pouquíssimas, visto que ainda nesta época e até 1888 a mão de obra no Brasil era basicamente escrava. A primeira Carta Republicana foi influenciada pela Constituição norte-americana, estabelecendo um Estado federal, republicano, presidencialista e liberal, o que a impedia de cuidar dos direitos sociais do trabalhador.
A Constituição de 1988 tem um forte conteúdo social, englobando disposições referentes aos direitos e garantias individuais (art. 5º), aos direitos sociais (art. 5º a 11) e, ainda,  às disposições que compõem o Título VIII (Da Ordem Social).

(Direito do Trabalho Esquematizado - Carla Teresa Martins Romar - Coordenador Pedro Lenza - Editora Saraiva)

domingo, 27 de novembro de 2016

Parassubordinação e subordinação - Diferenças.

A diferença básica entre a parassubordinação e a subordinação é que a primeira diz respeito a um regime de colaboração entre as partes e não exatamente de subordinação, pois há autonomia na prestação de serviços. O regime de colaboração pressupõe que as partes tem objetivos em comum a ser atingidos. A coordenação mostra a ideia de "ordenar juntos". O trabalhador parassubordinado organiza a sua própria atividade. O empregado fica submetido ao poder de direção do empregador. A coordenação implica ligação entre o prestador e o tomador dos serviços quanto à atividade desenvolvida. Vincula-se a resultados.
Tanto na subordinação como na parassubordinação o trabalhador presta serviços com continuidade. Não existe um contrato de natureza instantânea.
Na parassubordinação, o trabalhador presta serviço com auxiliares. O empregado não presta serviços com auxiliares, mas sozinho.
Na Itália, depreende-se que a parassubordinação está ligada a certos contratos com autônomos, que tem certa dependência com o tomador dos serviços, mas não se confunde com a típica subordinação, em que o trabalhador também assume os riscos de sua atividade, ao contrário do empregado. A parassubordinação seria uma espécie intermediária entre o trabalho autônomo e o subordinado.

É chamado de colaboração, coordenação, continuidade. (co.co.co).
No contrato de trabalho a projeto (co.co.pro), o tomador deve especificar o projeto em que o tomador vai atuar.
Se o trabalhador é colaborador, não tem subordinação, mas autonomia.

(Direito Individual do Trabalho - Sérgio Pinto Martins - Editora Saraiva - 32ª edição)

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

RESPONSABILIDADE DO SÓCIO E DO ADMINISTRADOR - DIREITOS TRABALHISTAS

A sociedade empresária responde pelas dívidas trabalhistas com os seus empregados e com os empregados de outras empresas do mesmo grupo econômico. Todavia, há casos nos quais o seu patrimônio é dilapidado ou insuficiente para pagá-las. Nesse caso, os empregados poderiam ficar desprotegidos, caso não fossem estendidas as obrigações da empresa para os seus sócios e para atender à essa exigência foi criada a doutrina da despersonalização do empregador.
É também chamada disregard doctrine, significando a descaracterização da personalidade jurídica do ente societário ou extensão da responsabilidade pelo pagamento dos débitos da empresa aos seus sócios para impedir o abuso do direito, portanto a possibilidade da penhora dos bens particulares dos sócios pelas dívidas da empresa que não dispõe de patrimônio suficiente para o pagamento dos débitos trabalhistas.

(Iniciação ao Direito do Trabalho - Amauri Mascaro Nascimento - LTR - 36ª edição)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Cláusula del credere - Representante Comercial

A inclusão de cláusula del credere no contrato entre as partes será elemento relativo para a configuração da relação entre os envolvidos. O significado da cláusula del credere era encontrado no art. 179 do Código Comercial: " A  comissão del credere constitui o comissário garante solidário ao comitente da solvabilidade e pontualidade daqueles com quem tratar por conta deste, sem que possa ser ouvido com reclamação alguma. Se o del credere não houver sido ajustado por escrito, e todavia o comitente o tiver aceitado ou consentido, mas impugnar o quantitativo, será este regulado pelo estilo da praça onde residir o comissário, e na falta de estilo, por arbitradores.
A cláusula del credere é uma espécie de cláusula acessória ao contrato de comissão mercantil. Tem natureza de cláusula de garantia ou espécie de seguro. É a cláusula del credere incompatível com o contrato de trabalho, pois o empregado não pode ser solidário pelo inadimplemento do comprador, porém é cláusula que pode ser ajustada na representação comercial autônoma. Entretanto, caso esteja presente no contrato de trabalho, será considerada nula, pois os riscos do negócio são do empregador (art. 2º c/c art. 9º da CLT).

(Direito do Trabalho - Sérgio Pinto Martins - Editora Saraiva - 2016)

Trabalho intermitente e trabalho eventual

Trabalho intermitente não é o mesmo que trabalho eventual, e difere daquele prestado pelo empregado num ponto, a continuidade para a mesma fonte, porém com espaçamentos, e do exercido pelo eventual num aspecto, a ocasionalidade da fonte para a qual o serviço é prestado. Trabalho intermitente é modalidade do eventual, do mesmo distinguindo-se pelo seu caráter cíclico continuado, mas com intervalos entre o fim de um e o início de outro trabalho para a mesma fonte. Pode-se dizer que o eventual, como está no nome, é o trabalho para um evento de curta duração, enquanto o trabalho intermitente é o retorno constante, mas não seguidamente como acontece com o empregado, e sim em intervalos significativos. Não será demais exemplificar, para facilitar a compreensão dos conceitos, com o serviço doméstico. A diarista que vai uma vez por semana e em toda semana na mesma residência é intermitente, mas a babá que vai acompanhar a família numa semana de férias para tomar conta da criança e depois é liberada, terminando o seu compromisso com esse tomador de serviço é eventual.
Pode, no entanto, o trabalho eventual transformar-se automaticamente em intermitente, desde que o prestador passe a trabalhar, embora em espaçamentos, para a mesma fonte, como nada impede que o intermitente preste serviços para mais de uma fonte. O caso concreto, de acordo com as características que se apresentem, oferecerá elementos para o enquadramento em uma das duas hipóteses: na do eventual, se não mais retornar a trabalhar para o mesmo tomador, e o intermitente, se tem um compromisso de retorno constante embora com intervalos consideráveis no tempo.
O regime de trabalho intermitente no ordenamento brasileiro carece de uma regulamentação.

(Amauri Mascaro Nascimento - Iniciação ao Direito do Trabalho - LTR - 36ª edição)

domingo, 13 de novembro de 2016

Requisitos legais da definição de empregado - CLT

A- A LEI. Os requisitos legais da definição de empregado estão na CLT (art. 3º): " Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."
Esses requisitos, todavia, não esgotam a definição . Para que se completem é preciso ir buscar na definição de empregador (CLT, art. 2º) um último requisito: a prestação pessoal de serviços.

Assim, são cinco esses requisitos, dos quais quatro estão expressos na definição de empregado e um na definição de empregador.

B- PESSOA FÍSICA. Empregado é  pessoa física ou natural. Não é possível empregado pessoa jurídica. A proteção da lei é destinada ao ser humano que trabalha, à sua vida, saúde, integridade física, lazer. Não é preciso ressaltar que esses valores existem em função da pessoa natural. Não são bens jurídicos tuteláveis nas pessoas jurídicas.

C - CONTINUIDADE. Empregado é um trabalhador não eventual. Aqui as discussões são de duas ordens. Primeira, saber quais são os critérios que indicam quando o trabalho não é eventual, o que implica o estudo da diferença entre empregado e trabalhador eventual, que será feita em item separado. Em princípio, trabalhador não eventual é aquele que exerce uma atividade de modo permanente. Porém, são necessárias diversas outras explicações. Segunda, saber se a lei trabalhista deve proteger o trabalhador eventual.

D - SUBORDINAÇÃO. Empregado é um trabalhador cuja atividade é exercida sob dependência de outrem para quem ela é dirigida. Nossa lei usa a palavra "dependência". No entanto, em lugar dela, generalizou-se hoje outra expressão, a palavra "subordinação", da maior importância, uma vez que permite dividir dois grandes campos de trabalho humano: o trabalho subordinado e o trabal, ho autônomo. Empregado é um trabalhador subordinado. Se o trabalhador não é subordinado será considerado trabalhador autônomo, não empregado. Situações híbridas, nas quais a atividade está situada numa fronteira entre a subordinação e a autonomia, levam a doutrina italiana a criar uma figura intermediária, a parassubordinação para os casos, por exemplo, como os do vendedor ou representante comercial autônomo. A CLT é aplicável a empregados e não é aplicável a trabalhadores autônomos.

E - SALÁRIO.  Empregado é um trabalhador assalariado, portanto, alguém que, pelo serviço que presta, recebe uma retribuição. Caso os serviços sejam executados gratuitamente pela sua própria natureza, não se configurará a relação de emprego. Há um exemplo sempre citado para elucidar esse ponto. Uma freira que gratuitamente presta serviços num hospital, levando lenitivo religioso aos pacientes, não será considerada empregada do hospital, porque sua atividade é exercida sem salário, por força da sua natureza e fins. Alguns autores dão uma dimensão maior a esse requisito do salário, preferindo dizer que só haverá relação de emprego se o contrato for oneroso. Querem dizer com onerosidade a reciprocidade de deveres das partes. O dever do empregado é prestar os serviços. O dever do empregador é pagar os salários.
O trabalho voluntário prestado por pessoa física a entidade pública de qualquer atureza ou a instituições sem fins lucrativos não gera vínculo de emprego (Lei 9.608/98), desde que tenha objetivos cívicos culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.

F - PESSOALIDADE. Empregado é, finalmente, um trabalhador que presta pessoalmente serviços. A pessoalidade é, desse modo, outro requisito da definição.
Pessoalidade significa: a) a intransferibilidade, por iniciativa unilateral do  prestador dos serviços a serem pelo mesmo prestados, própria dos contratos intuitu personae , o que não é exclusivo da relação de emprego, porque é exigência de alguns contratos de direito civil; b) indissociabilidade entre o trabalhador e o trabalho que presta, porque o quid  a prestar é a própria atividade da pessoa, o que destaca a singularidade do contrato de trabalho, o empregado deve ter proteção legal, porque proteger o trabalho significa proteger, também, a pessoa que o presta.
O contrato de trabalho é ajustado em função de determinada pessoa. Nesse sentido é que se diz que o contrato de trabalho é intuitu personae. O trabalho com que o empregador tem o direito de contar é o de determinada e específica pessoa e não de outra. Assim, não pode o o empregado, por sua iniciativa, fazer-se substituir por outra pessoa sem o consentimento do empregador. Eis o que se quer dizer com pessoalidade, descaracteriza-se a relação de emprego. Desde que haja pactuação expressa, o empregado, com o consentimento do empregador, pode se fazer substituir na prestação pessoal do serviço contratado. No entanto, quando a substituição se torna regra, passando o pretenso empregado a ser substituído de forma permanente, não há que se falar mais em nexo empregatício. Falta a pessoalidade do exercício.
Há setores da atividade empresarial nos quais se criou uma praxe ilegal: o emprego tem de criar uma sociedade com uma pessoa e que recebe por "nota fiscal". A prática ocorre com altos empregados. Além de ilegal, é um expediente que a Justiça do Trabalho considera como fraude à lei. O problema existe porque a nossa legislação não faz diferença entre os níveis de atividade profissional na empresa.
O que se deveria questionar é se os altos executivos e administradores tem necessidade da proteção da lei trabalhista ou se para esse segmento de profissionais basta o contrato com os direitos pactuados entre os interessados.

Um dos requisitos complementares não absolutos é a exclusividade. A exclusividade não é exigência legal. Pode perfeitamente estar caracterizada a relação de emprego mesmo sem exclusividade, uma vez que nada impede que alguém tenha mais de um emprego. A exclusividade pode ser mera exigência contratual. Se houver um contrato com cláusula expressa de exclusividade, o descumprimento dessa exigência  poderá configurar justa causa para a dispensa do empregado, mas não prejudicará de modo algum a caracterização do vínculo de emprego. Outro requisito complementar e também não necessário é o animus contrahendi. Trata-se do elemento subjetivo. É a intenção de ser empregado.

G - NOSSA DEFINIÇÃO. Concluindo, empregado é a pessoa física que presta pessoalmente a outro serviços não eventuais, subordinados e assalariados.
Os serviços prestados por pessoas jurídicas não se incluem no âmbito do direito do trabalho, mas do direito civil, configurando contratos de locação de serviços. A falta de pessoalidade descaracteriza a relação de emprego, por seu caráter personalíssimo. Se os serviços prestados pelo trabalhador são eventuais, este será não um empregado, mas um trabalhador eventual, sem os direitos previstos na CLT. Se os serviços exercidos não são subordinados, o trabalhador não será empregado; será trabalhador autônomo, não regido, igualmente, pela CLT.

(Amauri Mascaro Nascimento - Iniciação ao Direito do Trabalho - Editora LTR - 36ª edição)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Neoconcretismo

Entender, pensar e aplicar o direito processual civil na perspectiva neoconcretista é compreender processo como método de atuação do Estado-juiz para prestar tutela jurisdicional a quem, no plano  material, faz jus a ela. Direito que é reconhecido suficiente pelo próprio Estado-juiz ou, até mesmo, por ato estranho e anterior ao processo, pouco importa, mas o direito aplicável ao caso concreto. É entender que tão importante quanto o reconhecimento do direito aplicável ao caso é torná-lo realidade, mesmo contra ou a despeito da vontade de seu destinatário. É, portanto, concretizá-lo. Trata-se de eleger, sempre conscientemente, que a tutela jurisdicional é o polo metodológico do direito processual civil na atualidade. Que os demais institutos chamados de "fundamentais" - jurisdição, ação, processo e defesa - o são mais em perspectiva histórica do que atual. Eles são fundamentais para o amadurecimento e o desenvolvimento do direito processual civil tal qual ele merece ser entendido nos dias de hoje, inclusive no e por causa do modelo constitucional. Mas é possível, e desejável, alterar o foco.
Ser neoconcretista é saber discernir os planos do direito processual civil  (o "plano processual") e do direito material ( o "plano material") dentro das suas peculiaridades evidentes; não, contudo, de isolar o direito processual civil e contrapô-lo ao direito material. É, portanto, entender o direito processual civil como instrumento do direito material; como meio e não como fim. Meio de prestar tutela jurisdicional a que tem, na perspectiva do direito material, direito devida e suficientemente reconhecido. Prestar tutela jurisdicional sempre na compreensão de que tanto quanto saber quem tem o direito (na perspectiva ideal) é satisfazer, efetivando, concretizando este mesmo direito (na perspectiva prática). É transformar em "ser" o que, na perspectiva do reconhecimento do direito, é "dever-ser".
Todo cuidado é pouco com o entusiasmo que estas palavras podem causar. Embora o neoconcretismo  coloque, conscientemente, a tutela jurisdicional como centro das atenções do direito processual civil ou, como prefiro, eleja-a como elo metodológico fundamental do direito processual civil da atualidade, isto não autoriza - e nem quer autorizar - que o neoconcretista preocupe-se mais com a efetivação do direito do que com seu reconhecimento. Não há espaço, no modelo constitucional do direito processual civil, para compreender que o fim (a prestação da tutela jurisdicional) justifica os meios. Não, definitivamente não. E a explicação vem do próprio modelo de Estado, o Estado Constitucional, criado pela CF de 1988.
Assim, até para evitar erros do passado (sempre, insisto, tão fáceis de serem detectados na perspectiva do presente) todo o exagero é vedado. Prestar tutela jurisdicional, concretizando o direito sim, mas sempre, invariavelmente, de acordo com o devido processo constitucional, expressão suficientemente eloquente que sintetiza o que, na perspectiva da atuação do Estado-juiz para reconhecer e para satisfazer o direito é absolutamente indispensável.

(Cassio Scarpinella Bueno - Manual de Direito Processual Civil - 2ª edição - 2ª tiragem - 2016)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA E IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ESFERA PRIVADA

A teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas foi defendida inicialmente na Alemanha por Hans Carl Nipperdey, a partir do início da década de 50. Segundo ele, embora alguns direitos fundamentais previstos na Constituição alemã vinculem apenas o Estado, outros, pela sua natureza, podem ser invocados diretamente nas relações privadas, independentemente de qualquer mediação por parte do legislador, revestindo-se de oponibilidade erga omnes. Niperddey justifica sua afirmação com base na constatação de que os perigos que ameaçam os direitos fundamentais no mundo contemporâneo não provêm apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral. A opção constitucional pelo Estado Social importaria no reconhecimento desta realidade, tendo como consequência a extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares.
A teoria de Nipperdey foi retomada e desenvolvida na doutrina germânica por Walter Leisner, em tese de cátedra referente ao tema, na qual advogou a ideia de que, pela unidade da ordem jurídica, não seria admissível conceber o Direito Privado como um gueto, à margem da Constituição e dos direitos fundamentais.
Embora minoritária no cenário germânico, a tese da eficácia horizontal imediata tem ampla penetração na doutrina de outros Estados europeus, como Espanha, Portugal e Itália. Em alguns regimes constitucionais, aliás, ela parece resultar de expressa imposição constitucional, como é o caso de Portugal e da África do Sul, cujas constituições preveem a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, sem condicioná-la a qualquer mediação legislativa.
Na América Latina, ao que tudo indica, o tema surgiu pela primeira vez na jurisprudência da Argentina. Em decisão proferida no ano de 1958, a Corte Suprema daquele país reconheceu a eficácia direta dos direitos fundamentais frente a particulares, no julgamento de um recurso de amparo impetrado no célebre caso Samuel Kot. Discutia-se, na hipótese, o direito do proprietário de uma fábrica, que fora ocupada por seus empregados há mais de três meses, sem qualquer providência das autoridades policiais. O recurso foi acolhido, e no acórdão o tribunal portenho lavrou:

(...) nada hay tampouco, que autorice la afirmación de que el ataque ilegítimo, grave y manifesto contra qualquiera de los derechos que integran la libertad, lato sensu, carezca de la protección constitucional adecuada (...)por sola circunstancia de que ses ataque emane de otros particulares o de grupos organizados de indivíduos (...). Hay agora una tercera categoria de sujetos, con o sin personería jurídica, que sólo raramente conocieron los siglos anteriores: los consorcios, los sindicatos, las associaciones professionales, las grandes empresas, que acumulan casi siempre un enorme poderío material o económico. A menudo sus fuerzas se oponem a las del Estado y no es discutible que estos entes coletivos representam (...) una fuente de amenazas para el indivíduo y sus derechos esenciales. Si, en presencia de estas condiciones de la sociedad contemporánea, los jueces tuvieran que declarar que no hay protección constitucional frente a tales organizaciones colectivas, nadie puede engañarse de que tal declaración comportaria la quiebra de los grandes objetibos de la Constituición.

Os adeptos da teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não negam a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso. Não se trata, portanto, de uma doutrina radical, que possa conduzir a resultados liberticidas, ao contrário do que sustentam seus opositores, pois ela não prega a desconsideração da liberdade individual no tráfico jurídico-privado, mas antes impõe que ela seja devidamente sopesada na análise de cada situação concreta.
Tampouco, se pode acusar a doutrina da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas de incompatível com o princípio democrático, por atribuir poder em demasia ao Judiciário, em detrimento do legislador. Isto porque, em primeiro lugar, a proteção de direitos fundamentais, no mais das vezes não prejudica a democracia, mas antes assegura as condições necessárias ao seu bom funcionamento. Ademais, a maior parte dos adeptos desta teoria reconhece que, diante da existência de lei disciplinando a questão subjacente ao conflito privado, deve o Judiciário aplicar a norma vigente - e não dar ao caso a resposta que pareça mais justa a cada magistrado -, podendo afastar-se da solução preconizada pelo legislador tão somente quando concluir que esta se afigura incompatível com a Constituição.
Como já destacado acima, a teoria da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos fundamentais é amplamente dominante no cenário brasileiro, sendo sustentada por autores como Ingo Wolfgang Sarlet, Luís Roberto Barroso, Gustavo Tepedino, Wilson Steinmetz e Jane Reis Gonçalves Pereira, dentre tantos outros, e contando também com minha adesão. (...)

(Daniel Sarmento - Diálogos entre o Direito do Trabalho e o Direito Constitucional - Estudos em homenagem a Rosa Maria Weber - Saraiva - 2014)

PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS

Temos como regras que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis pelo trabalhador. Não se admite, por exemplo, que o trabalhador renuncie a suas férias. Se tal fato ocorrer, não terá qualquer validade o ato do operário, podendo o obreiro reclamá-las na Justiça do Trabalho.
Dispõe o art. 3º da Lei do Trabalho da Venezuela que "em nenhum caso serão renunciáveis as normas e disposições que favoreçam os trabalhadores". O parágrafo único prevê que "a irrenunciabilidade não exclui a possibilidade de conciliação ou transação sempre que se realize por escrito e contenha uma relação circunstanciada dos fatos que a motivem e os direitos nelas compreendidos."
O art. 9º da CLT é  claro no sentido de que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas."
Poderá, entretanto, o trabalhador renunciar a seus direitos se estiver em juízo, diante do juiz do trabalho, pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo. Estando o trabalhador ainda na empresa é que não se poderá falar em renúncia a direitos trabalhistas, pois poderia dar ensejo a fraudes. É possível, também, ao trabalhador transigir, fazendo concessões recíprocas, o que importa um ato bilateral.
Feita a transação em juízo, haverá validade em tal ato de vontade, que não poderá ocorrer apenas na empresa, pois, da mesma forma, há a possibilidade da ocorrência de fraudes. Em determinados casos, a lei autoriza a transação de certos direito com a assistência de um terceiro.
A transação pressupõe incerteza do direito para que possam ser feitas concessões mútuas.
Para haver transação é preciso que exista dúvida na relação jurídica (res dubia). Se não há dúvida uma das partes faz doação para outra, dependendo do caso.
Não se pode falar em transação quanto ao direito às verbas rescisórias, que são, inclusive, irrenunciáveis pelo trabalhador. Nesse caso, não há res dubia, pois as verbas rescisórias são devidas. A Súmula 276 do TST mostra que aviso-prévio é irrenunciável pelo trabalhador.
Inexiste transação em relação às verbas que estão sendo pagas no termo da rescisão por adesão ao plano de desligamento ou de aposentadoria, pois inexiste res dubia. Da mesma forma, inexiste coisa julgada em relação ao referido termo, pois não foi homologado em juízo.
A transação interpreta-se restritivamente (art. 843 do CC), assim como os negócios jurídicos benéficos interpretam-se estritamente (art. 114 do CC), mas não pode implicar renúncia de direitos trabalhistas
Compreende a transação concessões recíprocas. Por isso, é bilateral. A renúncia é unilateral. Objetiva a transação prevenir litígios.
A transação compreende direito duvidoso. A renúncia diz respeito à extinção do direito. A transação concerne à extinção da obrigação.
Direitos de indisponibilidade absoluta são, por exemplo, os direitos relativos à segurança e medicina do trabalho.
Direitos de indisponibilidade relativa são os que podem ser alterados desde que não causem prejuízo ao empregao (art. 468 da CLT) ou haja expressa autorização constitucional (reduzir salários - art. 7º, VI) ou legal (reduzir intervalo - § 3º do art. 71 da CLT).
A Orientação Jurisprudencial nº 270 da SBDI-1 do TST mostra que a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado ao plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.

(SÉRGIO PINTO MARTINS - Direito do Trabalho - Saraiva - 2016)

Princípio da continuidade da relação de emprego

Presume-se que o contrato de trabalho terá validade por tempo indeterminado, ou seja, haverá a continuidade da relação de emprego. A exceção à regra são os contratos por prazo determinado, inclusive o contrato de trabalho temporário. A ideia geral é a de que se deve preservar o contrato de trabalho do trabalhador com a empresa, proibindo-se, por exemplo, uma sucessão de contratos de trabalho por prazo determinado.
A Súmula 212 do TST adota essa ideia ao dizer que "o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado."
São exemplos da continuidade do contrato de trabalho encontrados na legislação: a transferência do empregado (art. 469 da CLT), que preserva a relação de emprego; a estabilidade ou a garantia de emprego, que impedem a dispensa do trabalhador por parte do empregador; a suspensão e a interrupção dos efeitos do contrato de trabalho, especialmente a suspensão para qualificação profissional (art. 476-A da CLT), pois o empregado tem os efeitos de seu contrato de trabalho suspensos, recebe prestações do FAT, mas mantém seu posto de trabalho; a mudança na estrutura e na propriedade da empresa (art. 10 e 448 da CLT), que não alteram o contrato de trabalho; as hipóteses de redução de salários (art. 7º, XIII, da Lei Maior), que promovem flexibilização de condições de trabalho temporárias com a fiscalização do sindicato de trabalhadores, evitando dispensas nas crises econômicas.
(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - Saraiva - 2016)

Princípio da Primazia da Realidade

Os fatos prevalecem sobre a forma. A essência se sobrepõe à aparência. 
No Direito do Trabalho os fatos são muito mais importantes do que documentos. Por exemplo, se um empregado é rotulado de autônomo pelo empregador, possuindo contrato escrito de representação comercial com o último, o que deve ser observado realmente são as condições fáticas que demonstrem a existência do contrato de trabalho. Muitas vezes, o empregado assina documentos sem saber o que está assinando. Em sua admissão, pode assinar todos os papéis possíveis, desde o contrato até seu pedido de demissão, daí a possibilidade de serem feitas provas para contrariar os documentos apresentados, que irão evidenciar realmente os fatos ocorridos na relação entre as partes.
São privilegiados, portanto, os fatos, a realidade, sobre a forma ou a estrutura empregada.

(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - Saraiva - 2016)

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Fontes do Direito do Trabalho - Convenções e acordos coletivos

Outra fonte peculiar do Direito do Trabalho são as convenções e os acordos coletivos, que vêm exteriorizar a autonomia privada dos sindicatos nas negociações coletivas.
Reconhece o inciso XXVI do art. 7º da Constituição as convenções e os acordos coletivos de trabalho. As convenções coletivas são os pactos firmados entre dois ou mais sindicatos - estando de um lado o sindicato patronal e do outro o sindicato profissional (dos trabalhadores) - a respeito de condições de trabalho para a categoria (art. 611 da CLT). Os acordos coletivos são os pactos celebrados entre uma ou mais de uma empresa e o sindicato da categoria profissional a respeito de condições de trabalho (§1º do art. 611 da CLT).
Assim, as regras que forem estabelecidas em convenções e acordos coletivos são de observância nas categorias respectivas, sendo, portanto, uma das fontes de Direito do Trabalho.

(SÉRGIO PINTO MARTINS - Direito do Trabalho - 2016 - Saraiva)

Fontes de Direito do Trabalho - Regulamentos de empresa

Discutem os doutrinadores se o regulamento de empresa pode ser considerado como fonte de direito do Trabalho. O empregador está fixando condições de trabalho no regulamento, disciplinando as relações entre os sujeitos do contrato de trabalho. O regulamento da empresa vai vincular não só os empregados atuais da empresa, como também aqueles que forem sendo admitidos nos seus quadros.
É, por conseguinte, uma fonte formal de elaboração de normas trabalhistas, uma forma como se manifestam as normas jurídicas, de origem extraestatal, autônoma, visto que não são impostas por agente externo, mas são organizadas pelos próprios interessados. Geralmente, o regulamento de empresa é preparado unilateralmente pelo empregador, mas é possível a participação do empregado na sua elaboração. Evaristo de Moraes Filho (1991:141) ensina que, pelo fato de serem estabelecidas condições de trabalho no regulamento, este vem a ser uma fonte normativa do Direito do Trabalho, pois suas cláusulas aderem ao contrato de trabalho.

(Direito do Trabalho - Sérgio Pinto Martins - 32ª edição - Saraiva)

Fontes do Direito do Trabalho - Constituição

A primeira Constituição a tratar de normas de Direito do Trabalho foi a de 1934. As demais Constituições continuaram a versar sobre o tema, tanto que os arts. 7º a 11 da Norma Ápice de 1988 especificam vários direitos dos trabalhadores.

Há que se lembrar de que é de competência privativa da União legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, I, da Constituição), o que impede os Estados-membros e os Municípios de o fazerem.

Assim, as demais normas irão originar-se da Constituição,  que em muitos casos especifica sua forma de elaboração e até seu campo de atuação.

(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - 2016 - Saraiva)

Fontes de Direito do Trabalho - Atos do Poder Executivo

Não apenas as leis emanadas do Poder Legislativo são fontes do Direito do Trabalho, mas também as normas provenientes do Poder Executivo. 
Em certos períodos, o Poder Executivo podia expedir decretos-leis que, posteriormente, eram ratificados pelo Congresso. Assim é o caso da CLT, pois a sua consolidação se fez por meio de decreto-lei (Decreto-lei nº 5.452/43). Lembre-se, por exemplo, de que os arts 129 a 152 da CLT, que tratam de férias, foram modificados por meio do Decreto-lei nº 1.535, de 13-4-1977. O título VI da CLT, que compreende os arts. 611 a 625, versa sobre convenção e acordo coletivo de trabalho, tendo sido modificado pelo Decreto-lei n 229, de 28-2-67. É a hipótese também do Decreto-lei nº 691, de 18-7-69, que versa sobre os técnicos estrangeiros.
Edita o Poder Executivo medidas provisórias, que têm força de lei no período de 60 dias (art. 62 da Constituição), prorrogável uma vez por igual período.
O Poder Executivo também tem competência para expedir decretos e regulamentos (art. 84, IV, da Constituição). Nesse ponto, foram editados vários decretos, visando ao cumprimento da legislação, como o Decreto nº 27.048/49 (repouso semanal remunerado), o  Decreto nº 57.155/65 (13º salário), o Decreto nº 71.885/73 (empregado doméstico), entre outros.
O Ministério do Trabalho também expede portarias, ordens de serviço etc. (art. 87, parágrafo único, II da Constituição). Exemplo é a Portaria nº 3.214/78, que especifica questões sobre medicina e segurança do trabalho.

(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - 32ª edição - Saraiva)

Fontes de Direito do Trabalho - Usos e costumes

O art. 8º da CLT permite que as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais e contratuais, decidirão, conforme o caso, de acordo com os usos e costumes, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Indica o art. 8º da CLT que os usos e costumes são fontes supletivas, na falta de disposições legais e contratuais sobre questões trabalhistas.
Muitas vezes, dos usos e costumes, na sua reiterada aplicação pela sociedade, é que se origina a norma legal. Mesmo na empresa costumam aparecer regras que são aplicadas reiteradamente, mas que não estão disciplinadas na lei. A gratificação é um pagamento feito pelo empregador que tem por natureza o costume. De tanto os empregadores pagarem uma gratificação natalina, ela passou a ser compulsória,  dando origem ao atual 13º salário (Lei nº 4.090/62)
O próprio contrato de trabalho não precisa ser necessariamente feito por escrito, podendo ser regido por aquelas regras do costume, ou seja, do que foi acordado tacitamente entre as partes (art. 443 da CLT.
As horas extras passaram a integrar outras verbas (férias, 13º salário, FGTS, DSR's, aviso-prévio etc.) por força do costume, da habitualidade no seu pagamento. Nesse sentido, é tranquila a jurisprudência (S. 45, 63 e 171 do TST). Inicialmente, não havia previsão sobre tais fatos na legislação, que posteriormente passou a adotá-la. Logo, naquele primeiro momento havia um costume praeter legem, que veio a suprir as lacunas da legislação.
As parcelas do salário pagas em utilidades (alimentação, vestuário, habitação, transporte etc.) só integrarão o salário se houver habitualidade no seu pagamento, ou seja, por força do costume (art. 458 da CLT). São costumes chamados de secundum legem

sábado, 5 de novembro de 2016

Fontes de Direito do Trabalho - Sentença Normativa

A sentença normativa constitui realmente uma das fontes peculiares do Direito do Trabalho. Chama-se sentença normativa a decisão dos tribunais regionais do trabalho ou do TST no julgamento dos dissídios coletivos. O art. 114, caput, e seu § 2º, da Constituição, dão competência à Justiça do Trabalho para estabelecer normas e condições de trabalho. É, portanto, por meio da sentença normativa em dissídio coletivo que serão criadas, modificadas ou extintas as normas e condições aplicáveis ao trabalho, gerando direitos e obrigações a empregados e empregadores. A sentença normativa terá efeito erga omnes, valendo para todas as pessoas integrantes da categoria econômica e profissional envolvidas no dissídio coletivo.

(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - Saraiva - 2016)

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: 

[...]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. 

(Constituição Federal)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Fontes do Direito Trabalho - Introdução

O estudo das fontes do Direito pode ter várias acepções, como o de sua origem, o de fundamento e validade das normas jurídicas e da própria exteriorização do Direito.

Fontes formais:  São as formas de exteriorização do direito. Exemplos: leis, costumes, etc.

Fontes materiais: São o complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas, compreendendo fatos e valores. São analisados fatores sociais, psicológicos, econômicos, históricos etc., ou seja, os fatores reais que irão influenciar na criação da norma jurídica, valores que o Direito procura realizar.

Há autores que entendem que a relevância é apenas o estudo das fontes formais. As fontes materiais dependem da investigação de causas sociais que influenciaram na edição da norma jurídica, matéria que é objeto da Sociologia do Direito.
Alguns autores afirmam que  apenas o Estado é a única fonte do Direito, pois ele goza do poder de sanção. Uma segunda corrente prega que existem vários centros de poderes, de onde emanam normas jurídicas.
Miguel Reale (1999:162) prefere trocar a expressão fonte formal por teoria do modelo jurídico. Esta é a estrutura normativa que ordena fatos segundo valores, numa qualificação  tipológica de comportamentos futuros, a que se ligam determinadas consequências.

As fontes de Direito podem ser heterônomas ou autônomas:

Fontes heterônomas: São impostas por agente externo. Exemplos: Constituição, leis, decretos, sentença normativa, regulamento de empresa, quando unilateral.

Fontes autônomas:  São as elaboradas pelos próprios interessados. Exemplos: costume, convenção e acordo coletivo, regulamento de empresa, quando bilateral, contrato de trabalho.

Quanto à origem, as fontes podem ser:

Fontes estatais: Quando provenientes do Estado. Exemplos: Constituição, lei, sentença normativa.

Fontes extraestatais: Quando emanadas de grupos e não do Estado. Exemplos: regulamento da empresa, costume, convenção e acordo coletivo, regulamento de empresa, quando bilateral.

Fontes profissionais: São estabelecidas pelos trabalhadores e empregadores interessados; convenção e acordo coletivo.

Quanto à vontade das pessoas, as fontes podem ser:

Fontes voluntárias: Quando dependem da vontade das partes para sua elaboração. Exemplos: contrato de trabalho, convenção e acordo coletivo, regulamento de empresa, quando bilateral.

Fontes imperativasQuando são alheias à vontade das partes. Exemplos: Constituição, leis, sentença normativa.

Há fontes comuns a todos os ramos do Direito, como a Constituição, a lei etc. Há, porém, fontes que são peculiares ao Direito do Trabalho, como:  as sentenças normativas, as convenções e os acordos coletivos, os regulamentos de empresa e os contratos de trabalho.
Afirma-se, para justificar as fontes do Direito, que as normas de maior hierarquia seriam o fundamento de validade das regras de hierarquia inferior.
O art. 8º da CLT dá orientação a respeito das fontes de Direito do Trabalho, ao afirmar: as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".
Não se pode afirmar, entretanto, que a analogia e a equidade sejam fontes do Direito, mas métodos de integração da norma jurídica, assim como o seria o Direito comparado. Quanto aos princípios gerais de Direito, entendo que se trata de uma forma de interpretação das regras jurídicas.
A jurisprudência pode ser considerada como fonte do Direito do Trabalho. Ela não se configura como norma obrigatória. Ela indica o caminho predominante em que os tribunais entendem de aplicar a lei, suprindo, inclusive, eventuais ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (§2º do art. 102 da Constituição).
O STF poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (art. 103-A da Constituição).
O parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868, de 10-11-1999, determina que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário  e à administração pública federal, estadual e municipal.
O CPC de 2015 estabelece que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável (art. 926). Os juízes observarão a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (art. 927, V, do CPC). Dispõe o inciso VI do § 1º do artigo 489 do CPC que não se considera fundamentada a sentença que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. A súmula, a jurisprudência ou o precedente passam a ser fontes de direito. Assim, passamos de um sistema de civil law para um sistema de common law , em que a jurisprudência e os precedentes são considerados fonte de direito e devem ser respeitados.
A doutrina também constitui-se em valioso critério para a análise do Direito do Trabalho, mas também não posso dizer que venha a ser uma de suas fontes, justamente porque os juízes não estão obrigados a observar doutrina em suas decisões, tanto que a doutrina muitas vezes não é pacífica, tendo posicionamentos opostos.
Assim, é possível enumerar como fontes do Direito do Trabalho:

1. Constituição
2. Leis
3. Decretos
4. Costumes
5. Sentenças normativas
6. Acordos
7. Convenções 
8. Regulamento de empresa e,
9. Contratos de trabalho.

(Direito do Trabalho - Sérgio Pinto Martins - Editora Saraiva - 2016)



quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Princípio da Proteção - Direito do Trabalho

Temos com regra que se deve proporcionar uma forma de compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a este último uma superioridade jurídica. Esta é conferida ao empregado no momento em que se dá ao trabalhador a proteção que lhe é dispensada por meio da lei.
Pode-se dizer que o princípio da proteção pode ser desmembrado em três:
a) o in dubio pro operario
b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador;
c) aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador.

Na dúvida, deve-se aplicar a regra mais favorável ao trabalhador ao se analisar um preceito que encerra regra trabalhista, o in dubio pro operario.
A regra da norma mais favorável está implícita no caput do art. 7º da Constituição, quando prescreve "além de outros que visem à melhoria de sua condição social".
A aplicação da norma mais favorável pode ser dividida de três maneiras:

a) a elaboração da norma mais favorável. em que as novas leis devem dispor de maneira mais benéfica ao trabalhador. com isso se quer dizer que as novas leis devem tratar de criar regras visando à melhoria da condição social do trabalhador;

b) a hierarquia das normas jurídicas: havendo várias normas a serem aplicadas numa escala hierárquica, deve-se observar a que for mais favorável ao trabalhador. Assim, se o adicional de horas extras previsto em norma coletiva for superior ao previsto na lei ou na Constituição, deve-se aplicar o adicional da primeira. A exceção à regra diz respeito a normas de caráter proibitivo; 

c) a interpretação da norma mais favorável: da mesma forma, havendo várias normas a observar, deve-se aplicar a regra mais benéfica ao trabalhador. O art. 620 da CLT prescreve que  "as condições estabelecidas em convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo". A contrario sensu, as normas estabelecidas em acordo coletivo, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva.

A condição mais benéfica ao trabalhador deve ser entendida como o fato de que vantagens já conquistadas, que são mais benéficas ao trabalhador, não podem ser modificadas para pior. É a aplicação da regra do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF), do fato de o trabalhador já ter conquistado certo direito, que não pode ser modificado, no sentido de se outorgar uma condição desfavorável ao obreiro. Ao menor aprendiz é garantido o salário mínimo horário, salvo condição mais favorável (§2º do art. 428 da CLT).
Esclarece o Enunciado 51 do TST que "as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento." Assim, uma cláusula menos favorável aos trabalhadores só tem validade em relação aos novos obreiros admitidos na empresa e não quanto aos antigos, aos quais essa cláusula não se aplica.
O in dubio pro operario não se aplica integralmente ao processo do trabalho, pois, havendo dúvida, à primeira vista, não se poderia decidir a favor do trabalhador, mas verificar quem tem o ônus da prova no caso concreto, de acordo com as especificações do CPC e do art. 818 da CLT.

(Sérgio Pinto Martins - Direito do Trabalho - Editora Saraiva)

Princípios do Direito do Trabalho - Conceito

A norma é gênero, dos quais as regras e os princípios são espécies.
Como é um ramo específico do Direito, o Direito do Trabalho também tem princípios próprios.
Inicialmente, poder-se-ia dizer que princípio é onde começa algo. É o início, a origem, o começo, a causa. O princípio de uma estrada seria seu ponto de partida. Todavia, não é esse conceito geral de princípio que precisamos conhecer, mas seu significado perante o Direito.
José Cretella Jr., afirma que "princípios de uma ciência são as proposições básicas fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, nesse sentido, são os alicerces da ciência" (Os cânones do direito administrativo, Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 25, nº 97, p. 7)
São, portanto, os princípios as proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o Direito, o princípio é seu fundamento, a base que irá informar e inspirar as normas jurídicas.
Nas lições sempre proveitosas de Miguel Reale (1977:299), "princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis".
Celso Antonio Bandeira de Mello (1997:573) esclarece que princípio "é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
O princípio é o primeiro passo na consecução de uma regulação, passo ao qual devem seguir-se outros. O princípio alberga uma diretriz ou norte magnético, muito mais abrangente que uma simples regra; além de estabelecer certas limitações, fornece diretrizes que embasam uma ciência e visam à sua correta compreensão e interpretação. Violar um princípio é muito mais grave do que violar um regra. A não-observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos".
Diferenciam-se os princípios das peculiaridades. Princípios são gerais, enquanto as peculiaridades são restritas. Princípios informam, orientam e inspiram regras legais. Das peculiaridades não são extraídos princípios, nem derivam outras normas. Os princípios sistematizam e dão organicidade a institutos. As peculiaridades esgotam-se em um âmbito restrito.

(SÉRGIO PINTO MARTINS - Direito do Trabalho - Editora Saraiva)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Pressupostos da estabilização da decisão que conceder a tutela antecipada

A estabilização exige o preenchimento de alguns pressupostos. O primeiro deles diz respeito ao requerimento do autor da tutela antecipada em caráter antecedente.
Apenas a tutela antecipada antecedente é que poderá ser estabilizada. Jamais a tutela antecipada incidente. Nos termos do art. 303, § 5º do NCPC, a opção pela tutela antecipada antecedente deve ser declarada expressamente na petição inicial.
O segundo pressuposto negativo. O autor não poderá manifestar, na petição inicial, a sua intenção de dar prosseguimento ao processo após a obtenção da pretendida tutela antecipada. Entendemos que o réu precisa saber de antemão a intenção do autor. Se o autor expressamente declara a sua opção pelo beneficio do art. 303 (nos termos do art. 303, § 5º), subentende-se que ele estará satisfeito com a estabilização da tutela antecipada, caso ela ocorra. Se, porém, desde a inicial, o autor já manifesta a sua intenção de dar prosseguimento ao processo, o réu ficará sabendo que a sua inércia não dará ensejo à estabilização  prevista no artigo 304 do NCPC. Por outro lado, entendemos que a opção pelo prosseguimento não possa ser admitida na peça de aditamento da inicial (art. 303, § 1º, inc. I do NCPC), pois, o prazo para o respectivo aditamento poderá coincidir ou mesmo superar o prazo de recurso. Se fosse admitida a manifestação do autor no prazo para aditamento, isso poderia prejudicar o réu que, confiando na possibilidade de estabilização, deixa de recorrer.
A decisão concessiva da tutela antecipada deve ser em caráter antecedente, Trata-se do terceiro pressuposto. Apenas a decisão concessiva pode tornar-se estável. É de se indagar: a concessão parcial da tutela antecipada tem aptidão para a estabilização? Entendemos que não, alterando posicionamento declinado na primeira edição da presente obra, pois, o propósito do legislador foi a extinção do processo, com a estabilização da tutela antecipada. Neste caso, se o autor não quiser correr o risco da estabilização, deverá se valer da tutela antecipada incidente.
Por fim, o último e quarto pressuposto, diz respeito à inércia do réu diante da decisão que concede a tutela antecipada. Embora o artigo 304 do NCPC mencione apenas a não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada tem uma maior abrangência. É necessário que o réu não tenha se valido de recurso de nenhum outro meio de impugnação da decisão (v.g. suspensão de segurança ou pedido de reconsideração, apresentados no prazo do recurso),. No tocante ao recurso, se o mesmo tiver sido interposto tempestivamente, impede-se a estabilização, pouco importando tenha sido o mesmo conhecido ou não. Entendemos que a expressão recurso deve ser interpretada em sentido abrangente.
Por outro lado, há quem entenda que a não apresentação de contestação seria pressuposto indispensável para a estabilização da tutela antecipada. Todavia, entendemos mais apropriado o posicionamento de Freddie DIDIER JÚNIOR a respeito do tema, verbis:

Mas não nos parece que a revelia é um pressuposto necessário para a incidência do art. 304.
O normal é que o prazo de defesa somente fluirá a partir da audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, I, CPC) ou da data do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência (art. 335, II CPC). O art. 303, § 1º, II, do CPC diz que, concedida a aturela antecipada antecedente, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação. O inciso III do art. 303, § 1º, por sua vez, diz que 'não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335'.

Se o caso não admite autocomposição, não é preciso designar audiência de conciliação ou de mediação (art. 334, §4º, I, CPC). O prazo de defesa, contudo, somente deve começar a correr a partir da intimação feita ao réu do aditamento da inicial.

Assim, o prazo de dessa, em regra, demora um pouco para ter início. O art. 304 não exige que se espere tanto para que se configure a inércia do réu apta a ensejar a estabilização da tutela antecipada.

Se no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolver antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua  inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada.

A partir do exposto, concluiu-se que a eventual apresentação de defesa no prazo de recurso é um fator relevante, que afasta a estabilização. Todavia, a inércia que enseja a estabilização, não depende da ocorrência da revelia. Assim, se transcorrido o prazo de recurso, sem a apresentação de defesa, ocorrerá a estabilização da tutela antecipada.

Por outro lado, importante ressaltar que a estabilização da decisão antecipatória não será possível se o réu inerte foi citado/intimado por edital ou por hora certa, se estiver preso ou for incapaz sem representante ou em conflito com ele. Nestes casos, será necessária a designação de curador especial que terá o dever funcional de promover sua defesa ainda que genérica-, impugnando a tutela de urgência então concedida. Do mesmo modo, entendemos que não há que se falar em estabilização, quando, a despeito da inércia do réu, a demandada for devidamente respondida e a tutela antecipada concedida em caráter antecedente for questionada por quem atue como assistente simples ou litisconsorte, cujos fundamentos aproveitem também ao réu inerte.

Há, ainda, outra situação a ser considerada: o provimento antecipatório é concedido, mas o autor não adita a petição inicial (art. 303, §1º, I) e o réu não impugna o mesmo. O § 2º do mesmo art. 303 determina a extinção do processo sem resolução de mérito. Será que o processo será extinto, sem a estabilização? Ou será que o provimento antecipatório estabilizará? Entendemos que nesta hipótese, deva prevalecer a estabilização, considerando a possibilidade das partes em rever, invalidar ou reformar a decisão judicial, por meio da ação prevista no §  2º do art. 304 do CPC.

(A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil - Tutela de Urgência e Tutela de Evidência - Jaqueline Mielke da Silva - Editora Verbo Jurídico)

sábado, 22 de outubro de 2016

Vícios de vontade - FRAUDE

Os atos praticados em fraude contra credores são aqueles que diminuem o patrimônio do devedor, tornando-o incapaz de satisfazer seus credores, ou, se já estava insolvente, diminuindo ainda mais a sua capacidade financeira.
Tais atos são anuláveis pelos credores quirografários (que não têm garantia real), que já o eram no momento do praticado em fraude. 
O Código distingue entre os atos gratuitos e os atos onerosos. Quanto aos primeiros são anuláveis pela simples prova da sua relação com a insolvência. Os segundos só podem ser anulados quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente, ou quando for provado o concilium fraudis, ou seja, a má-fé do adquirente.
Se o adquirente não tiver pago o preço, este for aproximadamente o corrente, desobriga-se depositando-o em juízo, com a citação dos interessados. Se o valor for inferior, para conservar os bens do adquirente pode depositar o preço correspondente ao valor real (art. 160 do CC).
A ação anulatória por fraude contra credores, também denominada de ação pauliana, pode ser movida contra o devedor insolvente, contra quem  com ele contratou fraudulentamente e contra os terceiros adquirentes de má-fé.
As garantias oferecidas a um credor em prejuízo dos outros são consideradas feitas em fraude contra credores. O credor quirografário, que recebe o pagamento antecipado, deverá, no caso do concurso de credores ou de falência, repor o que recebeu para ser rateado entre todos os credores.
A ação pauliana faz reverter os bens em favor do acervo do devedor que garante o pagamento aos credores.
Distingue-se da fraude contra credores, instituto de direito civil, a fraude de execução, matéria processual, regulada pelo art. 593 do CPC (*), que considera como tal a alienação ou oneração de bens a fim de frustar a execução, nos casos em que enumera.

(*) art. 792 CPC 2015
(Trecho da obra Direito Civil - Introdução e parte geral - volume I - Arnoldo Wald - Editora Saraiva)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Tutela de urgência antecipada requerida em caráter incidente

A tutela antecipada incidente pode ser requerida na própria petição inicial, no curso do processo - por simples petição - e no âmbito recursal. Sempre requerida incidentalmente, o pedido principal será elaborado na petição inicial. Consequentemente, não há que se falarem emenda da petição inicial, na forma do artigo 303, § 1º do NCPC. Do mesmo modo, não haverá estabilização da tutela antecipada requerida incidentalmente, caso o réu não interponha agravo de instrumento. A técnica da estabilização - sempre que a parte optar, nos termos do § 5º do artigo 303 do NCPC - aplica-se exclusivamente à tutela antecipada antecedente, explicitada no item 6 infra. O Capítulo II, do Título II, aplica-se à tutela antecipada antecedente, não sendo a técnica nele prevista compatível com a tutela antecipada incidente (revelando-se incompatível também com a tutela cautelar antecedente).
Não é demasiado mencionar - de forma a explicitar a compreensão - que a tutela antecipada incidental se processa no NCPC de forma similar ao CPC/73. Ou seja, a petição inicial deverá preencher não apenas os requisitos necessários à concessão do provimento antecipatório, mas a todos os fundamentos necessários à procedência da demanda. O pedido principal é requisito da petição inicial, nos termos do artigo 319 do NCPC. No CPC/73 apenas não era usual a utilização da expressão incidente, tendo em vista que inexistia a tutela antecipada antecedente. Na verdade, o que havia era apenas a tutela antecipada incidente.

(Trecho da obra "A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil" - 2ª edição revista e atualizada - Jaqueline Mielke Silva - Verbo Jurídico) 

Vício da vontade - DOLO

O dolo como vício da vontade é a falsa representação à qual uma pessoa é induzida por malícia, ardil ou fraude de outrem. A diferença básica entre o erro e o dolo consiste em ser espontâneo o primeiro e provocado o segundo. O erro deriva de uma falta de atenção ou de perícia do agente. No dolo é a atividade de outrem que, ardilosamente, induz o agente a ter uma falsa representação. A única exceção ocorre quando num negócio bilateral o destinatário da proposta tem conhecimento da reserva mental, caso em que esta pode ser invocada e prevalecer (art. 110, do CC).
Do mesmo modo que distinguimos entre o erro essencial e o acidental, devemos diferenciar o dolo essencial do dolo acidental.  O primeiro é o que deu causa ao negócio e o segundo é o que, modificando certos aspectos desse negócio, tornando-o mais interessante, não foi, todavia, a sua causa única e exclusiva. O dolo principal ou essencial é causa de anulação do negócio jurídico dando, ainda, ao prejudicado, direito de pedir o ressarcimento das perdas e danos. O dolo acidental ou incidente é juridicamente relevante, mas não torna o negócio anulável, podendo todavia o prejudicado responsabilizar o culpado pelos danos sofridos.
Conhece-se, no comércio, o chamado dolus bonus (dolo bom), que é a malícia natural admissível nos negócios jurídicos, a publicidade e a propaganda que o industrial e o comerciante fazem dos seus produtos, assegurando que são os melhores e os mais reputados. A apreciação do dolus bonus depende do meio mercantil e somente em cada caso concreto é possível distinguir o dolo bom do dolo vício de vontade capaz de autorizar a anulação do negócio jurídico, devendo ser obedecido o que dispõe o Código do Consumidor, que assumiu uma posição muito mais severa na matéria em relação às normas de direito comercial.
Quando o dolo é de terceiro e não de um dos contratantes, o terceiro será evidentemente responsável pelas perdas e danos, não se anulando o negócio jurídico, devendo ser obedecido o que dispõe o Código do Consumidor, que assumiu uma posição muito mais severa na matéria em relação às normas de direito comercial.
Quando o dolo é de terceiro e não de um dos contratantes, o terceiro será evidentemente responsável pelas perdas e danos, não se anulando o negócio jurídico, se nenhum dos contratantes tiver ciência da manobra dolosa.
Há, todavia, possibilidade de estar um dos contratantes ciente da manobra do terceiro, e, então, haverá possibilidade de ser anulado o negócio. É o que determina o art. 148 do CC: "Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse  ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou."
A parte que sabia do dolo será também solidariamente responsável, com o terceiro, pelas perdas e danos devidos ao prejudicado.
O dolo não se presume, devendo ser provado pelo prejudicado. O direito anterior admitia um caso de dolo presumido que era a lesão enormíssima.Ocorria, quando havia um desequilíbrio entre as prestações das partes de tal ordem que uma delas tinha um valor inferior à metade da outra. A lesão enormíssima equiparava-se ao dolo, mas foi excluída pelo Código Civil de 1916, atendendo à sua índole liberal. A figura da lesão reaparece atualmente, no Código Civil (art. 157), em certas figuras de usura que o direito penal reprime, especialmente nos crimes contra a economia popular.
O dolo pode manifestar-se sob a forma de ação ou de omissão. "Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado" (art. 147 do CC)."
Se ambas as partes procedem com dolo, nenhuma delas pode alegá-lo para anular ou reclamar indenização (art. 150 do CC).
Se houver dolo do representante de uma das partes, a representada só será responsável pelos danos causados à medida que tiver proveito  com a operação (art. 149 do CC). A ideia dominante é a irresponsabilidade do representado pelo ato ilícito do representante, salvo se com ele tiver alguma vantagem, caso em que responde pelo prejuízo do terceiro até o limite da vantagem auferida, a fim de ser evitado o enriquecimento sem causa.
O prazo para anulação do negócio jurídico no qual houve dolo é de quatro anos. (art. 171 do CC)

(Trecho da obra Direito Civil - Introdução e Parte Geral - v. I - Arnoldo Wald - Editora Saraiva )

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Vícios da vontade

Sendo o negócio jurídico uma declaração de vontade, pode sofrer uma deturpação ou desvirtuamento, seja na sua formação, seja na sua manifestação.
Podemos classificar os vícios da vontade em vícios oriundos de uma representação errada por parte do declarante, ou seja, vícios da vontade propriamente ditos, e divergências ou discordâncias entre a vontade perfeitamente formada e a sua manifestação.
Ocorre desajuste entre a vontade e sua manifestação nos casos de erro obstativo (erro na manifestação da vontade) e de reserva mental ou reticência.
Há defeito na formação da vontade nos casos de erro, dolo e coação. Equipara-se, pelos seus resultados, aos vícios da vontade, embora tenha fundamentação totalmente diversa, a fraude contra credores.
O Código Civil alterou substancialmente os denominados defeitos do negócio jurídico, ao excluir a simulação desse rol e incluí-la como causa de nulidade, diferentemente do que dispunha o Código Civil de 1916, que a inseria entre as hipóteses de anulabilidade. Estabelece o Código Civil (art. 167) o seguinte: "É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".
Além da exclusão da simulação como defeito do negócio jurídico, o Código criou dois novos vícios: o estado de perigo e a lesão. Dispõe o art. 171, II, o seguinte: "Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: ... II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores."
ERRO
O erro obstativo, erro na manifestação da vontade, é o desajuste involuntário entre a vontade real do sujeito da relação jurídica e a sua manifestação por palavras, documentos ou enunciação por intermédio de terceiros (núncios, emissários). Por exemplo, o testador quer deixar um bem em usufruto e se refere a fideicomisso; o proprietário quer fazer uma locação e no contrato declara dar o imóvel em comodato; o comprador quer adquirir 100 unidades, e por erro, na transmissão do e-mail, faz uma encomenda de 1000.
O direito pátrio não trata separadamente do erro obstativo (erro na transmissão da vontade) e do erro-vício (erro na formação da vontade), englobando ambos no mesmo conceito.
O erro-vício é uma falsa representação, que exerce influência na formação da vontade do agente.
O erro pode ser essencial ou acidental. O primeiro é aquele "que interessa à natureza do ato, o objeto principal da declaração, ou algumas das qualidades a ele essenciais." É o erro tal que, se o agente tivesse tido uma representação exata do negócio, não o teria realizado. Erro acidental é, ao contrário, a falsa representação a respeito de alguma qualidade secundária, cuja inexistência não teria impedido a realização do negócio, se tivesse sido do conhecimento do contratante.
Somente são anuláveis os atos jurídicos em que houve declaração de vontade baseada em erro essencial ou substancial. O erro acidental é juridicamente irrelevante.
O erro pode ser sobre a natureza do próprio negócio (está prometendo doar quando quer vender, está alugando quando quer receber em comodato), sobre as qualidades da coisa (pensa que o objeto é de ouro quando é de bronze), sobre a pessoa do outro contratante (pensa tratar-se de pintor célebre quando é apenas pessoa do mesmo nome), sobre a quantidade (compra determinado terreno confundindo alqueires paulistas com alqueires mineiros) ou sobre a finalidade do negócio (compra passagem num navio para ir a Salvador e o navio dirigindo-se para a Europa não faz escala na Bahia).
O erro ainda pode ser de fato ou de direito. Erro de fato é o que recai sobre uma das qualidades de determinado objeto ou de certa pessoa. Erro de direito é a falsa convicção é a falsa convicção do agente a respeito de uma norma jurídica que foi a causa da transação ou à qual o negócio jurídico está submetido.
Estabelecendo a nossa legislação que a ninguém é lícito ignorar a lei (nemo censetur ignorare legem, v. art. 3º, da LICC), discutiu-se a possibilidade de ser anulado um ato jurídico por erro de direito. Na realidade, trata-se de situações distintas. O princípio básico impede que alguém se escuse de cumprir o que a lei determina, alegando ignorá-la, mas a liberdade das partes nas convenções, que realizam, deve ser respeitada, e, se algum elemento não correspondente à verdade influiu na formação da vontade, é justo que se admita a anulação do negócio jurídico. Desde que o erro de direito seja essencial, constituindo a causa básica do negócio, é admissível a sua anulação por essa fundamentação. Se alguém, ignorando que pode remeter fundos para o exterior para adquirir livros, faz um mútuo a um estrangeiro que está de viagem com a finalidade única de que, findo o prazo contratual, o dinheiro seja entregue a um livreiro fora do país, o negócio poderia ser anulado por erro de direito.
Distingue-se, ainda, o erro escusável do erro inescusável, considerando que só é anulável o ato quando o erro for escusável, ou sejam quando for daqueles que podem ser cometidos pelo homem de atenção e diligência medianas. Quando o erro for escusável, será fundamento para anulação. Este conceito de escusabilidade deve ser elástico, e o juiz só poderá apreciar cada caso concreto analisando o nível intelectual do agente, as suas qualidades profissionais, etc. Assim a confusão entre um diamante e um zircônio pode ser erro inescusável para um minerador, ou um profissional que trabalha com joias, e escusável para um leigo na matéria.
O falso motivo só é fundamento para anulação do negócio jurídico quando expresso como razão determinante (art. 140 do CC). Se alguém faz uma doação a algum sobrinho, de um imóvel, declarando que assim visa a suprir a falta de moradia, por não ter o sobrinho nenhuma propriedade imobiliária, e se, dias depois, fica provado que o sobrinho é proprietário de muitos imóveis, haverá a possibilidade de anular a doação por falsa causa. Se a mesma doação tiver sido feita sem mencionar a sua motivação, não poderá ser anulada, pois não houve menção da causa como razão determinante da doação.
Quanto ao erro obstativo, discutiu-se a quem cabia a responsabilidade no caso de erro na transmissão da declaração de vontade. A doutrina tem entendido que quem utiliza um núncio ou o serviço postal assume os riscos de erro, tendo ação regressiva contra o culpado. Assim sendo, a responsabilidade cabe a quem tomou a iniciativa de fazer a proposta por núncio ou por fax ou por e-mail, ou de exigir uma resposta da outra parte interessada, por esses meios de comunicação.
A ação para anular o ato jurídico por erro prescreve em quatro anos a partir da data do mesmo, em regra.
A reticência, ou reserva mental, em que o agente faz uma declaração mas, no seu íntimo, pensa em não cumprir o prometido, é juridicamente irrelevante, Se alguém promete uma recompensa e, ao mesmo tempo, decide não dá-la ou frustrar de qualquer modo a possibilidade dos candidatos a esta recompensa, a vontade íntima, interna do agente, é necessariamente irrelevante, é um propositum in mente retentum que não chega a exteriorizar-se, ou seja, a um engano em relação a algum dos elementos do negócio.
(Trecho de Direito Civil -  Introdução e Parte Geral - Arnoldo Wald - Editora Saraiva)