terça-feira, 29 de novembro de 2011

Juros, incidência e dano moral

Quem tiver que receber ou que pagar indenização por dano moral precisa ficar atento. De acordo com decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, os juros de mora, neste caso, incidem a partir da data do evento danoso. O entendimento foi firmado durante julgamento de recurso da empresa Folha da Manhã S.A., dona do jornal Folha de S.Paulo, condenada a indenizar o jornalista Marcelo Fagá, morto em 2003.
O entendimento já prevalecia no STJ, mas parte dos ministros defendia sua reforma, diante das peculiaridades do caso. Reportagem do jornal, de março de 1999, envolveu o nome do jornalista em supostas irregularidades ocorridas no período em que trabalhou na assessoria de imprensa da prefeitura de São Paulo, durante o governo Celso Pitta.
De acordo com a notícia, o jornalista teve o salário revelado e seu nome figurou numa lista intitulada "Os homens de Pitta". Além disso, apareceu em textos que falavam sobre "máfia da propina", "uso da máquina" e "cota de Nicéa Pitta", em referência a cargos preenchidos por indicação da mulher do então prefeito.
O Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu o pedido do jornalista e determinou uma indenização por danos morais no valor de 200 salários mínimos, com juros de mora contados desde a data do fato. Os desembargadores entenderam que o jornal não se limitou a descrever os fatos noticiados, passando a adjetivar os envolvidos e manipulando, com as técnicas de imprensa, o pensamento de seus leitores.
A empresa recorreu apenas em relação aos juros moratórios. De acordo com a Folha da Manhã, o artigo 407 do Código Civil, determina que "os juros de mora devem ser contados a partir do momento em que se tornou líquida a obrigação da requerente em indenizar, ou seja, no momento em que foi proferida a sentença".
A relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, votou no sentido de que a fluência dos juros moratórios deveria começar na data do trânsito em julgado da condenação. Até que os ministros Sidnei Beneti, Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Paulo de Tarso Sanseverino e Villas Bôas Cueva divergiram.
O ministro Sidnei Beneti, ao inaugurar a divergência, disse que o acórdão do TJ-SP está em conformidade com o entendimento do STJ. De acordo com a Súmula 54 do STJ, "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual".
Já a ministra Isabel Gallotti, ao apresentar ratificação de voto após o início da divergência, esclareceu que não estava contradizendo a Súmula 54. Especificamente no caso de dano moral puro, que não tem base de cálculo, ela aplicava por analogia a Súmula 362, que determina que "a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Instrumentalidade e referibilidade da tutela cautelar



















Instrumentalidade
A instrumentalidade não tem o mesmo viés finalístico dos autores clássicos. Não se concebe a tutela cautelar como instrumento do instrumento (como dito por Piero Calamandrei), mas sim, como instrumento apto a dar segurança à tutela do direito buscada pela parte no processo principal. Em outras palavras, concebe-se que a tutela jurisdicional visa tutelar o direito material. Neste sentido, a tutela cautelar assegura (confere segurança) a este direito material a ser tutelado pela Jurisdição.

Referibilidade
Significa que a tutela cautelar deve se referir a uma tutela de direito material ou a "uma situação substancial acautelada".  Kazuo Watanabe diz que a referibilidade dá-se no plano do direito material e que, sob o aspecto processual, seria a causa de pedir remota.

(Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart)






 

Tutela cautelar e tutela antecipatória

A tutela cautelar destina-se a assegurar uma situação jurídica ou a efetividade da tutela do direito material. É caracterizada pela instrumentalidade e pela referibilidade. A tutela cautelar é instrumento da tutela satisfativa, na medida em que objetiva garantir a sua frutuosidade. Sempre se refere a uma tutela satisfativa do direito. A tutela antecipatória, de outra parte, é satisfativa do direito material, permitindo a sua realização - e não a sua segurança - mediante cognição sumária ou juízo de verossimilhança. A tutela antecipatória, de lado hipóteses excepcionais, tem a mesma substância da tutela final, com a única diferença de que é lastreada em verossimilhança. A tutela antecipatória é a tutela final fundada em cognição sumária.
A tutela antecipatória não é instrumento de outra tutela. A tutela antecipatória satisfaz o demandante, dando-lhe o que almejou ao propor a demanda. O autor não quer outra tutela além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que sucede quando pede a tutela cautelar, sempre predestinada a dar efetividade a uma tutela jurisdicional do direito. A tutela antecipatória também não aponta para uma situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente faz referência a uma situação tutelável ou a outra tutela do direito material.

(Código de Processo Civil comentado artigo por artigo - 2ª edição revista, atualizada e ampliada -  Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Cancelamento de protesto e pagamento de custas

Cartórios não podem condicionar cumprimento de ordem judicial a pagamento de custas

Oficiais de instituições cartorárias não podem condicionar o cumprimento de ordem judicial ao pagamento prévio de custas. A decisão, por unanimidade, é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento a recurso especial de um oficial de cartório do Rio de Janeiro, que se recusou a efetuar cancelamento de protesto, impondo como condição o pagamento prévio das custas.

Tudo começou com a ação de indenização por danos morais proposta por uma cliente do Banco do Brasil, que teve o nome protestado no Cartório do 5º Ofício de Protesto de São Gonçalo (RJ), por suposta falta de pagamento a uma escola. Segundo afirmou, a instituição bancária e a educacional não observaram que o pagamento era feito por boleto bancário, o qual não está elencado no rol de títulos executivos extrajudiciais.

A ação foi julgada procedente, para condenar o banco e a escola ao pagamento de R$ 7 mil a título de compensação por danos morais. A sentença determinou, ainda, que o oficial responsável pelo cartório excluísse o protesto no prazo de 48 horas. Apesar de a cliente ter levado o ofício diretamente ao oficial, ele se negou a obedecer à ordem judicial em razão da falta de pagamento de emolumentos.

A cliente do banco entrou na Justiça contra o oficial do cartório, que foi condenado ao pagamento de 5 mil reais como indenização por danos morais. Ambos apelaram, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou provimento a ambas as apelações, entendendo que não poderia o oficial impor condições para cumprir a ordem judicial. O pedido para aumentar o valor da indenização também foi negado, pois estava dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

“A indenização por dano moral deve ser fixada com moderação para que seu valor não seja tão elevado a ponto de ensejar enriquecimento sem causa para a vítima, nem tão reduzido que não se revista de caráter preventivo e pedagógico para o seu causador”, asseverou o relator da apelação.

No recurso para o STJ, o oficial do cartório alegou que a decisão do TJRJ ofendeu o artigo 26, parágrafo 3º, da Lei 9.492/97. Segundo a defesa, a lei é “cristalina” no sentido de que deve haver o pagamento dos emolumentos pelo interessado no cancelamento do protesto, ou seja, por aquele que “comparece à serventia requerendo o cancelamento, ainda que por determinação judicial”.

O dispositivo legal citado no recurso afirma que “o cancelamento do registro do protesto, se fundado em outro motivo que não no pagamento do título ou documento de dívida, será efetivado por determinação judicial, pagos os emolumentos devidos ao tabelião”.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, tanto a Lei 9.492 como a Lei 8.935/94 determinam que, “em qualquer hipótese de cancelamento, haverá direito a emolumentos, recebidos diretamente das partes”. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que o cancelamento do protesto, mediante o pagamento das custas cartorárias, compete ao devedor, quando se tratar de protesto devido.


“Em se tratando de cancelamento do protesto determinado por ordem judicial, contudo, deve-se analisar o conteúdo dessa determinação: se condicionada ao pagamento de emolumentos ou se impositiva, que deve ser cumprida sob qualquer condição”, afirmou a ministra Nancy Andrighi.

Ela disse que a ordem do magistrado foi clara, não tendo sequer fixado multa em caso de descumprimento. “Emanada ordem judicial impositiva para que o oficial do cartório efetuasse o cancelamento do protesto, cabia-lhe o cumprimento da medida, e não estabelecer condição ao seu implemento inexistente no ofício judicial, qual seja, o pagamento prévio dos emolumentos cartorários”, concluiu.

A relatora comentou ainda que, como há exigência legal dos emolumentos, “seria mais razoável” se esse tipo de ordem judicial indicasse o responsável pela obrigação. De qualquer forma, acrescentou, em vez de não cumprir a ordem e usar o protesto como pressão para que a pessoa prejudicada por ele pagasse os emolumentos, o oficial do cartório poderia ter provocado o juízo a estabelecer a quem caberia arcar com as despesas.

Para Nancy Andrighi, o oficial cometeu ato ilícito. “Além do notório prejuízo que referida conduta acarretou à parte favorecida pela ordem judicial descumprida, as delongas perpetradas pelo oficial, assim como todo descumprimento de ordem judicial, acabam por ocasionar ao Poder Judiciário descrédito junto à sociedade, situação que deve ser reprimida a todo custo”, afirmou a ministra.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Direito à reparação por dano moral é transmissível aos herdeiros

Ainda que o direito moral seja personalíssimo – e por isso intransmissível –, o direito de ação para buscar a indenização pela violação moral transmite-se com o falecimento do titular do direito. Portanto os seus herdeiros têm legitimidade ativa para buscar a reparação. No caso, os herdeiros de um juiz de direito pleiteavam a habilitação na ação de indenização proposta por ele, ação que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou procedente.

A ação de indenização foi ajuizada pelo juiz de direito após ter sido alvo de “graves ofensas” contidas em representação apresentada por uma empresa ao Ministério Público de São Paulo – resultando na determinação de abertura de procedimento penal pela Polícia Civil. As ofensas ao magistrado foram feitas após sentença condenatória desfavorável à empresa.

O pedido de reparação foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau. Depois do falecimento do juiz, os herdeiros requereram habilitação para figurar em seu lugar, no polo ativo da ação, pedido deferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A habilitação foi, entretanto, impugnada pela empresa, sob a alegação de que, por causa do caráter personalíssimo do direito moral, a transmissão da ação indenizatória aos herdeiros seria impossível.
Direito de ação
Porém, para a ministra relatora, Nancy Andrighi, o direito à indenização por violação moral transmite-se com o falecimento do titular do direito, ou seja, tanto os herdeiros quanto o espólio têm legitimidade ativa para ajuizar ação de reparação por danos morais. “O direito que se sucede é o de ação, de caráter patrimonial, e não o direito moral em si, personalíssimo por natureza e, portanto, intransmissível”, explicou a ministra.

Em outro ponto analisado no recurso, a empresa pedia a aplicação analógica do artigo 142 do Código Penal – que afirma não haver injúria ou difamação punível nas ofensas feitas em juízo (na discussão da causa) pelas partes ou procuradores.

No entanto, de acordo com a relatora, essa “excludente de antijuricidade pressupõe a existência de uma relação jurídica processual”, ou seja, a ofensa deve ter sido lançada em juízo, em momento de debate entre as partes, situação na qual “o legislador admitiu a exaltação de ânimos”. Além disso, o dispositivo não diz respeito às ofensas dirigidas ao juiz, uma vez que ele não é parte no processo.

Já o valor da indenização, alegado excessivo pela empresa, foi reduzido pela ministra Nancy Andrighi. Segundo ela, é evidente o exagero na fixação da indenização (correspondente a 15 meses de subsídios do juiz, valor que hoje superaria os R$ 300 mil), “tendo em vista que, para situações inegavelmente mais graves, como aquelas envolvendo a morte de um ente querido ou a existência de sequelas físicas”, o STJ não chega a valores tão altos. Dessa forma, a reparação por danos morais foi fixada em R$ 200 mil.
 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Tutela cautelar e tutela de remoção do ilícito

A tutela de remoção do ilícito objetiva a eliminação dos efeitos concretos posteriores à prática de um ato ilícito, não se confundindo com a tutela de inibição do ilícito nem com a tutela contra a probabilidade do dano. No caso de exposição à venda de procudto com composição proibida, por exemplo, basta, para se obter a tutela de remoção do ilícito (mediante busca e apreensão), a demonstração da prática de ato contrário ao direito. Porém, como a tuela de remoção do ilícito, por mera consequência, impede a produção do dano, confundiu-se tutela contra o ilícito já praticado (remoção do ilícito) e tutela cautelar. Se a busca e apreensão, ao remover o ilícito, acaba colaborando com a prevenção, a verdade é que o seu fundamento não está na probabilidade do dano, mas sim na prática do ilícito. Na ação que visa à obtenção de tutela de remoção do ilícito não se admite a discussão do dano, não devendo ojuiz perguntar sobre a probabilidade de dano para conceder a tutela jurisdicional. A emissão de mandado de busca e apreensão de produto com composição ilícita constitui técnica processual que visa à obtenção de tutela de remoção do ilícito, que satisfaz por si mesma. A tutela de remoção do ilícito é satisfativa, não se revestindo da instrumentalidade característica da tutela cautelar. A tutela de remoção deve ser buscada através de ação estruturada com base nas técnicas processuais dos arts. 461 e 461-A, CPC.

(Código de Processo Civil comentado artigo por artigo - Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero - 2ª edição revista e ampliada)

Tutela cautelar e tutela inibitória

A tutela cautelar é instrumento de outra tutela, enquanto a tutela inibitória é uma tutela autônoma, também dita satisfativa. A tutela inibitória tem como pressuposto a ameaça da prática de ato contrário ao direito, podendo ser utilizada não apenas quando se teme uma primeira violação, mas também quando se teme a sua repetição ou mesmo a continuação da atividade ilícita. De modo que a tutela inibitória pode impedir a publicação de notícia lesiva a direito da personalidade ou mesmo a difusão da publicação de notícia lesiva a direito da personalidade, assim como inbir a utilização de marca comercial ou a repetição do seu uso. Pode inibir ainda a continuação da atividade ilícita, como o prosseguimento de atividade poluidora. A tutela inibitória, ao contrário da tutela cautelar, não é uma tutela instrumental. A tutela inibitória é uma tutela tão autônoma quanto o é a tutela ressarcitória. A demanda em que se postula tutela inibitória (art. 461, CPC) é ação principal, bastante em si, ao passo que a tutela cautelar é vinculada a  outra tutela (art. 806,CPC). Como a tutela inibitória exige técnicas processuais idôneas e procedimentos adequados à prestação da tutela jurisdicional de modo efetivo, a demanda cautelar - antes da introdução dos instrumentos capazes de permitir a obtenção da tutela específica no Código de Processo Civil (por exemplo, arts. 461 e 461-A) - foi utilizada como meio para  a obtenção da tutela inibitória. Atualmente, quem pretende obter tutela inibitória - por exemplo, tutela capaz de impedir a violação de direito da personalidade ou de propriedade intelectual - deve propor ação construída com base nas técnicas processuais do art. 461, CPC. Nunca ação cautelar, que, por exigir uma ação principal (art. 806, CPC), não se presta à obtenção de tutela inibitória ou de qualquer tutela satisfativa do direito material.

(Código de Processo Civil comentado artigo por artigo -  Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero - 2ª edição revista e ampliada)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sistema prisional e o cumprimento de pena em casa

Réu pode cumprir pena em casa se prisão é precária

O condenado ao regime aberto somente irá para o sistema prisional se ele atender rigorosamente os requisitos da Lei de Execuções Penais (LEP). Caso contrário, o Judiciário pode determinar o cumprimento da pena em regime domiciliar para garantir os direitos fundamentais. Com este entendimento, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a prisão domiciliar de um réu, diante da precariedade do sistema carcerário. O acórdão é do dia 22 de setembro.
O caso é originário da Comarca de Porto Alegre. O Ministério Público interpôs Agravo de Execução Criminal contra a Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, que concedeu o benefício da prisão domiciliar a um apenado. O juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco tomou a decisão em função da precária situação do sistema carcerário. O juiz reconheceu o excesso de execução individual, pois, na sua percepção, as Casas do Albergado não cumprem a LEP e ainda incentivam a criminalidade.
‘‘Entendo que a solução emergencial que mais se ajusta ao caso concreto e à realidade do precário sistema prisional do Estado, de modo a respeitar o direito do apenado e também o das demais pessoas, que pugnam por segurança, é a de permitir que os apenados em regime aberto venham a cumprir pena nas condições de prisão domiciliar. Outrossim, ressalto que o Código Penal permite que seja cumprida a pena do regime aberto em estabelecimento ‘adequado’, ao invés de Casa de Albergado, estando autorizado o magistrado, pelo artigo 115 da LEP, a estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo daquelas obrigatórias elencadas em seus incisos’’, afirmou o juiz.
Ele também considerou que o mero encaminhamento do apenado para o sistema prisional configuraria verdadeiro excesso de execução individual, conforme artigo 185 da LEP. E isso afronta os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa, da humanidade e da vedação ao cumprimento de penas cruéis.
O MP recorreu. Alegou que a concessão da prisão domiciliar contraria o artigo 117 da LEP, pois restringiu-se a considerações sobre o sistema prisional, sem análise dos autos do processo de execução e da situação individual do apenado. Argumentou que a situação dos presídios é questão a ser resolvida pela administração. Alertou, finalmente, que a decisão recorrida termina com as penas restritivas de direito, quando fixada a privativa de liberdade em regime aberto, pois torna-se mais vantajoso ao condenado descumprir a pena restritiva e ser recolhido em prisão domiciliar.
O relator do Agravo na 6ª Câmara Criminal, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, entendeu que a sentença estava correta. Para ele, o sistema carcerário brasileiro não atingiu seus objetivos pedagógicos, sendo visíveis as precariedades dos estabelecimentos prisionais, que geram condições subumanas para os detentos, devido à superlotação e a inércia daqueles órgãos que deveriam sanar tal problema.
‘‘Não se trata de violar a coisa julgada, desrespeitar o disposto em lei federal ou de promover a insegurança, de vez que o fato gerador é a inobservância, pelo Poder Executivo, de direitos fundamentais dos segregados que estão aos seus cuidados — sobretudo a dignidade da pessoa humana —, o que faz ser imperativo ao Poder Judiciário, forte no sistema de freios e contrapesos — que a Constituição adota, porque democrático e de direito o Estado — atuar de modo a corrigir-lhes as faltas, com vistas ao equilíbrio e ao alcance dos fins sociais a que referido sistema almeja, adotando as medidas necessárias à restauração dos direitos violados’’, concluiu o relator.
O voto que negou seguimento ao Agravo — confirmando a sentença — foi seguido pelos desembargadores Aymoré Roque Pottes de Mello e Cláudio Baldino Maciel.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Causas de exoneração da pensão

A maioria daqueles que já passaram pelos dissabores de uma separação judicial, hoje simplesmente divórcio, já se deparou com questões ligadas à prestação alimentícia. Senão por conta dos filhos, por conta de ex-cônjuges dependentes financeiramente. Tratando dessa segunda hipótese, algumas questões devem ser analisadas invariavelmente para se concluir sobre a necessidade ou não de uma das partes pleitear alimentos, e da possibilidade ou não da outra parte prestar alimentos.
Dados como o nível de dependência financeira existente entre ambos durante a relação conjugal, bem como idade do potencial alimentado, qualificação profissional, condições de inserção do ex-cônjuge no mercado de trabalho, dentre outros, são pontos analisados para que se fixe ou não pensão alimentícia em favor do ex-cônjuge.
Todos esses “requisitos” sempre foram estudados justamente com o intuito de se verificar a configuração dos dois pontos alicerces do necessário binômio que leva à fixação da pensão alimentícia ente ex-cônjuges, quais sejam, a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante.
Evidentemente, não há que se falar em pagamento de pensão alimentícia por um cônjuge a outro quando, ao se divorciarem, ambos estão inseridos no mercado profissional, aferindo rendas de maneira minimamente satisfatória, de modo que cada um seja capaz de manter seus próprios gastos pessoais em patamar semelhante ao havido durante a vigência do casamento. Nesse caso, inexistiria a “necessidade” por parte do alimentado. Da mesma forma, se nenhum dos dois possuir fonte de renda, inexistirá a “possibilidade” do alimentante.
Fato é que o binômio necessidade/possibilidade é invariavelmente analisado quando a questão é prestação de alimentos. No entanto, a peculiaridade de cada caso e os tempos modernos fazem com que determinadas questões acabem sendo analisadas de forma mais consciente pelos Tribunais, já que como diz o jargão popular, “os tempos mudaram”...
Com certeza, o ex-cônjuge de hoje em dia não pode ser comparado, sem nenhum desprestígio, é claro, àqueles que dedicaram sua vida à família e aos filhos no século passado e acabaram por experimentar as agruras de um divórcio atualmente!
A inserção destas pessoas no mercado de trabalho é quase inviável, infelizmente! Assim, não se pode imaginar que esses ex-cônjuges não terão direito a receber sua pensão alimentícia pelo tempo que lhe restar de vida, dentro dos termos legais.
No entanto, temos hoje um mercado de trabalho absolutamente aberto e propício à receber bons profissionais, principalmente as mulheres que outrora foram tão desprestigiadas! É certo que estas, muitas vezes deixam suas carreiras de lado com o incentivo do marido, na vigência do casamento, porém, não deixam de ter um grande potencial ao enfrentarem o divórcio com ainda muita vida produtiva pela frente! Nesses casos, dependendo das peculiaridades que acompanhem a situação que tentamos ilustrar, seria justo que a pensão alimentícia fosse “vitalícia”, ou dependesse unicamente do tão conhecido binômio necessidade/possibilidade?
Justamente diante desse cenário, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que é possível a exoneração do pagamento de pensão alimentícia devida a ex-cônjuge mesmo sem ter havido alteração nas condições econômicas dos envolvidos que reflitam no mencionado binômio.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir dois processos semelhantes, concluiu que outros fatores, além da capacidade financeira que tanto influi no binômio necessidade/possibilidade, também devem ser considerados na análise do pedido de exoneração de pensão alimentícia fixada entre ex-cônjuges, como a capacidade de trabalho do alimentado e o tempo necessário para que ele recuperasse a condição econômica que detinha durante o relacionamento.
De acordo com o entendimento da relatora dos casos, Ministra Nancy Andrighi, é necessário “considerar também a possibilidade de desoneração de alimentos dissociada de uma mudança na fortuna dos envolvidos”, quando não tiver sido verificada mudança negativa ou positiva na condição econômica dos dois. “A essa circunstância fática devem ser agregadas e ponderadas outras mais, como a capacidade potencial do alimentado para o trabalho e o tempo decorrido entre o início da prestação alimentícia e a data do pedido de desoneração”, afirmou a Ministra.
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a pensão alimentícia é determinada visando assegurar ao ex-cônjuge tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, de modo que possa manter pelas próprias forças status social similar ao do período do relacionamento. O pagamento perpétuo só é determinado em situações excepcionais, quando, segundo a Ministra, há “a existência de uma das exceções à regra da temporalidade dos alimentos devidos a ex-cônjuge, que são a impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho ou a incapacidade física ou mental para o exercício de atividade laborais”.
Temos assim um novo panorama surgindo no que diz respeito à desoneração de pensão alimentícia fixada entre ex-cônjuges e é fácil perceber que este, é muito condizente à realidade atual.

Ana Cláudia Banhara Saraiva é advogada da Miguel Neto Advogados em São Paulo. www.conjur.com.br

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Trabalhador doméstico e salário mínimo proporcional

Empregada doméstica que trabalha três dias na semana pode receber salário mínimo proporcional à jornada reduzida. Com esse entendimento, a 6º Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou Agravo de Instrumento apresentado por trabalhadora que pretendia rediscutir a questão no TST.
Segundo o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região no sentido de que a empregadora podia pagar à trabalhadora salário proporcional ao tempo trabalhado está de acordo com a Orientação Jurisprudencial 358 da Seção Especializada em Dissídios Individuais 1 do TST.
Nos termos da OJ, é legal o pagamento ao trabalhador do piso salarial da categoria ou do salário mínimo proporcional à jornada reduzida contratada. E o salário mínimo previsto no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal é fixado com base na jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais a que se refere o inciso XIII do mesmo dispositivo.
Durante o julgamento, o ministro Godinho destacou que, em relação ao tema, uma corrente considera que, como o trabalhador doméstico não tem jornada estabelecida em lei, não caberia a proporcionalidade do salário. Essa corrente defende, portanto, que o empregado doméstico tem sempre que receber o salário mínimo, não importando o número de dias trabalhados na semana. Entretanto, o relator concluiu que essa interpretação pode ocasionar distorções salariais.
FormalizaçãoO ministro Maurício Godinho afirmou ainda que a possibilidade de pagar o salário proporcional a quem presta serviços com jornada reduzida pode estimular a formalização dos contratos de trabalho de empregados domésticos. Por um lado, a jurisprudência predominante no TST considera que o serviço prestado no mínimo três vezes por semana tem caráter contínuo, caracterizando a relação de emprego. Em contrapartida, a carteira pode ser assinada com salário proporcional aos dias trabalhados, sem onerar o empregador. Outras turmas também já TST já admitiram essa possibilidade: a 2ª, 6ª, 3ª e a 1ª.
O relator verificou também que a empregada confirmara, em depoimento pessoal, que prestava serviços na casa da ex-patroa três dias por semana. "Com efeito, restou incontroverso que a empregada trabalhava em jornada reduzida e que seu salário era proporcional ao piso profissional dos domésticos", assinalou. "Adotar entendimento contrário demandaria necessariamente o revolvimento dos fatos e provas do processo", observou — o que não é possível no TST (Súmula 126). No mais, o ministro Maurício Godinho observou que não houve desrespeito às garantias constitucionais e, assim, negou provimento ao Agravo. A decisão foi unânime, com ressalva de fundamentação do ministro Augusto César Leite de Carvalho. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O novo regime das contratações públicas

Márcio Monteiro Reis e Fernando Villela de Andrade Vianna - 03/11/2011 - 10h27

Após acalorados debates, foi finalmente aprovada pelo Congresso Nacional a Medida Provisória 527/11, convertida na Lei Federal 12.462/11. Fica assim definitivamente instituído o RDC ( Regime Diferenciado de Contratações Públicas), que introduz novas regras para as contratações com o Poder Público. A decisão é voltada para projetos vinculados à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol (Fifa 2013) e da Copa do Mundo Fifa 2014. Além disso, inclui obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação, distantes até 350km das cidades sedes dos eventos esportivos acima mencionados (artigo 1º, incisos I, II e III).
O Regime Diferenciado de Contratações Públicas traz interessantes inovações do ponto de vista jurídico, que poderão, quem sabe, inspirar um eventual projeto maior de reforma da atual Lei de Licitações (Lei Federal 8.666/93), vigente há mais de 20 anos.
Não há dúvida de que o principal objetivo da nova legislação é conferir maior celeridade a essas contratações, procurando reduzir trâmites burocráticos e formalismos. Desta forma, se estabelece por lei a prioridade para as formas eletrônicas de contratação, admitindo-se excepcionalmente as presenciais (artigo 13).
Além disso, institui como regra geral a desejável inversão de fases entre a habilitação e o julgamento, permitindo que a longa análise documental seja realizada apenas em relação ao licitante que apresentar a melhor proposta, evitando intermináveis impugnações e recursos referentes aos documentos de todos os licitantes. Trata-se de louvável instrumento que prestigia a eficiência e traz nova dinâmica ao procedimento, certamente resultado das exitosas experiências no âmbito das concessões públicas, que sofreu alteração neste aspecto em 2005, e de algumas modalidades de licitações.
Também foi instituída a fase de “negociação”, encontrada em modalidades já existentes, como o pregão, com o intuito de buscar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, princípio basilar das contrações públicas. Assim, de acordo com o artigo 26, parágrafo único, da nova Lei, a Administração poderá negociar melhores condições com o primeiro colocado. Caso a proposta apresentada por este supere o orçamento do objeto licitado, a negociação poderá seguir com os demais licitantes, seguindo a ordem de classificação.


Merecem ainda, especial destaque, as influências do direito ambiental e urbanístico na elaboração da Lei em questão. Conforme redação do artigo 4º, parágrafo 1º, as contratações realizadas com base nesse regime diferenciado devem respeitar, especialmente, as normas relativas à disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, o que se justifica em razão da recente legislação que instituiu a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos); mitigação por condicionantes e compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental; utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e recursos naturais, dentre outras.


Isso se torna especialmente relevante na medida em que a Administração Pública, na busca da maior vantagem, deverá considerar os custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. Trata-se, sem dúvida, da positivação de critérios para buscar a “função regulatória da licitação”, como vem denominando parte da doutrina.
A Lei disciplina, ainda, as formas de contratação de obras e serviços de engenharia (artigo 8º), a possibilidade de instituição da polêmica “remuneração variável”, vinculada ao desempenho da contratada - com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega – (artigo 10), os recursos cabíveis e os prazos (artigo 45) e as sanções administrativas (artigo 47). É importante lembrar que as contratações diretas, por dispensa ou inexigibilidade de licitação, devem seguir os parâmetros já estabelecidos na Lei Federal 8.666/93, tanto em relação às hipóteses como aos seus procedimentos.
O RDC foi introduzido com o intuito de permitir maior celeridade e reduzir a burocracia na contratação de obras e serviços necessários à realização dos eventos mundiais que o Brasil sediará a partir de 2013. Os interessados – Poder Público e a iniciativa privada – devem se familiarizar com os instrumentos e procedimentos estabelecidos nessa nova legislação, que indubitavelmente será uma das principais normas aplicáveis ao setor de infraestrutura nos próximos anos e poderá servir de ponto de partida para a aguardada reforma da atual Lei de Licitações.

(www.ultimainstancia.uol.br )

Planos de saúde e tratamento domiciliar

Plano de Saúde deverá fornecer tratamento domiciliar

A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará determinou na terça-feira (1°/11) que a Unimed de Fortaleza forneça tratamento médico domiciliar à paciente A.R.P., que sofre de doença renal e precisa de sessões semanais de hemodiálise A decisão foi unânime e, de acordo com o relator, desembargador Váldsen da Silva Alves Pereira, entender o contrário seria uma ofensa ao princípio da dignidade humana.
De acordo com os autos, A.R.P é cliente da Unimed desde 1990. Em 2008, migrou para o melhor plano da empresa. Para que seu atendimento não fosse prejudicado com a carência da alteração contratual, pagou uma taxa de R$ 4,2 mil. Em dezembro do mesmo ano, foi internada com quadro de demência e insuficiência renal crônica.
Após quatro meses internada, a idosa teve alta, mas deveria ter atendimento domiciliar e traslado para realização de hemodiálise, conforme prescrição médica. A Unimed não atendeu o pedido e passou a cobrar pelos procedimentos realizados.
A idosa ingressou na Justiça requerendo a permanência no hospital sem custo ou tratamento médico domiciliar. Em abril de 2009, o então juiz da 22ª vara Cível, Emanuel Leite Albuquerque, acatou o pedido e determinou à Unimed manter o tratamento da paciente no hospital ou na residência dela.
Contraria com a decisção, a companhia impetrou agravo de instrumento no TJ-CE requerendo a reforma da decisão. Sustentou que o contrato firmado com a cliente não prevê atendimento domiciliar.
Ao analisar o caso, os membros da 8ª Câmara Cível decidiram, por unanimidade, manter a decisão do primeiro grau. "A reforma de decisão causaria um descompasso com a legislação do consumidor, além de ferir o princípio da dignidade humana, consagrado constitucionalmente, e repetido na Lei dos Planos de Saúde", votou o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Ceará.
Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2011

Desconsideração da personalidade jurídica

Desconsideração da personalidade jurídica: proteção com cautela
 
A distinção entre pessoa jurídica e física surgiu para resguardar bens pessoais de empresários e sócios em caso da falência da empresa. Isso permitiu mais segurança em investimentos de grande envergadura e é essencial para a atividade econômica. Porém, em muitos casos, abusa-se dessa proteção para lesar credores. A resposta judicial a esse fato é a desconsideração da personalidade jurídica, que permite superar a separação entre os bens da empresa e dos seus sócios para efeito de determinar obrigações.

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conta que a técnica jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil no final dos anos 60, especialmente com os trabalhos do jurista e professor Rubens Requião. “Hoje ela é incorporada ao nosso ordenamento jurídico, inicialmente pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no novo Código Civil (CC), e também nas Leis de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98)”, informou. A ministra adicionou que o STJ é pioneiro na consolidação da jurisprudência sobre o tema.

Um exemplo é o recurso especial (REsp) 693.235, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual a desconsideração foi negada. No processo, foi pedida a arrecadação dos bens da massa falida de uma empresa e também dos bens dos sócios da empresa controladora. Entretanto, o ministro Salomão considerou que não houve indícios de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, requisitos essenciais para superar a personalidade jurídica, segundo o artigo 50 do CC, que segue a chamada “teoria maior”.

Segundo Ana de Oliveira Frazão, advogada, professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista no tema , hoje há duas teorias para aplicação da desconsideração. A maior se baseia no antigo Código Civil e tem exigências maiores. Já na teoria menor, com base na legislação ambiental e da ordem econômica, o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo e se aplica, por exemplo, quando há desvio de finalidade da empresa.

“Acho a teoria menor muito drástica, pois implica a completa negação da personalidade jurídica. Todavia, entendo que pequenos credores, como consumidores, e credores involuntários, como os afetados por danos ambientais, merecem tutela diferenciada”, opina a professora.

Teoria menor

Um exemplo da aplicação da teoria menor em questões ambientais foi o voto do ministro Herman Benjamin no REsp 1.071.741. No caso, houve construção irregular no Parque Estadual de Jacupiranga, no estado de São Paulo. A Segunda Turma do STJ considerou haver responsabilidade solidária do Estado pela falha em fiscalizar.

Entretanto, a execução contra entes estatais seria subsidiária, ou seja, o estado só arcaria com os danos se o responsável pela degradação ecológica não quitasse a obrigação. O ministro relator ponderou que seria legal ação de regresso que usasse a desconsideração caso o responsável pela edificação não apresentasse patrimônio suficiente para reparar o dano ao parque.

Outro julgado exemplar da aplicação da teoria menor foi o REsp 279.273, julgado pela Terceira Turma do STJ. Houve pedido de indenização para as vítimas da explosão do Shopping Osasco Plaza, ocorrida em 1996. Com a alegação de não poder arcar com as reparações e não ter responsabilidade direta, a administradora do centro comercial se negava a pagar.

O relator do recurso, ministro Ari Pargendler, asseverou que, pelo artigo 28 do CDC, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada se há abuso de direito e ato ilícito. No caso não houve ilícito, mas o relator afirmou que o mesmo artigo estabelece que a personalidade jurídica também pode ser desconsiderada se esta é um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Cota social
Entre as teses consolidadas na jurisprudência do STJ está a aplicada no REsp 1.169.175, no qual a Terceira Turma, seguindo voto do ministro Massami Uyeda, decidiu que a execução contra sócio de empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada não pode ser limitada à sua cota social. No caso, um professor sofreu queimaduras de segundo grau nos braços e pernas após explosão em parque aquático.

A empresa foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil, mas a vítima não recebeu. A personalidade da empresa foi desconsiderada e a execução foi redirecionada a um dos sócios. O ministro Uyeda afirmou que, após a desconsideração, não há restrição legal para o montante da execução.

Desconsideração inversa

Pessoas físicas também tentam usar pessoas jurídicas para escapar de suas obrigações. No REsp 948.117, um devedor se valeu de empresa de sua propriedade para evitar execução. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, seria evidente a confusão patrimonial e aplicável a “desconsideração inversa”. A ministra ressalvou que esse tipo de medida é excepcional, exigindo que se atendam os requisitos do artigo 50 do CC.
Empresa controladora
Outro exemplo de aplicação da desconsideração da personalidade foi dado no REsp 1.141.447, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ. No caso, desconsiderou-se a personalidade jurídica da empresa controladora para poder penhorar bens de forma a quitar débitos da sua controlada.

O credor não conseguiu encontrar bens penhoráveis da devedora (a empresa controlada), entretanto a empresa controladora teria bens para quitar o débito. Para o ministro Beneti, o fato de os bens da empresa executada terem sido postos em nome de outra, por si só, indicaria malícia, pois estariam sendo desenvolvidas atividades de monta por intermédio de uma empresa com parco patrimônio.

Entretanto, na opinião de vários juristas e magistrados, a desconsideração não pode ser vista como panaceia e pode se tornar uma faca de dois gumes. A professora Ana Frazão opina que, se, por um lado, aumenta a proteção de consumidores, por outro, há o risco de desestimular grandes investimentos. Esse posicionamento é compartilhado por juristas como Alfredo de Assis Gonçalves, advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, que teme já haver uso indiscriminado da desconsideração pelos tribunais.

A ministra Nancy Andrighi, entretanto, acredita que, no geral, os tribunais têm aplicado bem essa técnica. Ela alertou que criminosos buscam constantemente novos artifícios para burlar a legislação. “O que de início pode parecer exagero ou abuso de tribunais na interpretação da lei, logo se mostra uma inovação necessária”, declarou.

Fraudes e limites

A ministra do STJ dá como exemplo um recente processo relatado por ela, o REsp 1.259.018. A principal questão no julgado é a possibilidade da extensão dos efeitos da falência a empresas coligadas para reparar credores. A ministra Nancy apontou que haveria claros sinais de fraude, com transferência de bens entre as pessoas jurídicas coligadas e encerramento das empresas com dívidas. Para a ministra, os claros sinais de conluio para prejudicar os credores autorizaria a desconsideração da personalidade das empresas coligadas e a extensão dos efeitos da falência.

Impor limites ao uso da desconsideração também é preocupação constante de outros magistrados do STJ, como manifestado pelo ministro Massami Uyeda em outro processo. No REsp 1.080.682, a Caixa Econômica Federal, por meio da desconsideração, tentou cancelar a transferência de imóvel para pessoa jurídica em processo de falência.

O bem pertencia ao ex-administrador da empresa falimentar e, segundo a Caixa, seria uma tentativa de mascarar sua verdadeira propriedade. Contudo, o ministro Uyeda apontou que a transferência do imóvel ocorreu mais de um ano antes da tentativa de penhora. Além disso, naquele momento, o proprietário do imóvel não administrava mais a empresa.