quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O latrocínio e mais katchanga

Princípio da isonomia garante liberdade provisória a réu por latrocínio
O princípio da isonomia garante que réus em situação fática e jurídica idêntica recebam o mesmo tratamento. Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, de ofício, habeas corpus a réu por latrocínio. O tribunal local havia concedido o benefício a um dos corréus, mas negado a outro, apesar de embasado nos mesmos fundamentos.

O caso diz respeito ao roubo de cerca de R$ 400, após o que os acusados enforcaram a vítima. A Justiça do Paraná julgou que, por ser o crime gravíssimo e terem os réus personalidades voltadas ao crime, a liberdade daquele que posteriormente recorreu ao STJ colocaria em risco a ordem pública. Porém, ao analisar pedido de outro acusado, concedeu a liberdade provisória, porque este teria residência fixa e profissão definida, o que levaria a crer que o réu não fugiria, não dificultaria os atos processuais ou não perturbaria a ordem de qualquer modo.

O réu que permaneceu preso apresentou pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que negou a liberdade por entender que o fato de ser réu primário e manter residência fixa não bastaria à concessão da liberdade. O TJPR não se manifestou em relação à isonomia.

No STJ, o entendimento do desembargador convocado Celso Limongi prevaleceu. Para o relator, a própria omissão do tribunal paranaense configura em si constrangimento ilegal, o que permite ao STJ corrigir a situação de imediato.

O desembargador considerou evidente a ilegalidade da manutenção da prisão, já que ambos os réus encontram-se na mesma situação fático-jurídica, o que torna imprescindível a aplicação do princípio da isonomia.

O recurso em habeas corpus da defesa foi conhecido em parte e negado, mas a Turma concedeu habeas corpus de ofício para determinar a liberdade provisória do réu, se não estiver preso por outro motivo.



Coordenadoria de Editoria e Imprensa


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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Usina de casuísmos

Do blog do Alon

O que é melhor: o sistema que abre espaço para um Tiririca, ou o que permitirá aos Tiriricas de todos os matizes funcionarem como fornecedores de voto para os donos de partido conquistarem cadeiras nos parlamentos sem nem precisar sair de casa?

O núcleo da reforma política em desenvolvimento nos últimos anos é o voto em lista fechada, ou preordenada. Funcionaria assim: cada partido define a ordem dos candidatos para a eleição de deputado federal, estadual e vereador, elegendo-se os primeiros de cada lista, conforme o número de cadeiras que a legenda conseguir na eleição.

Os candidatos chamados “exóticos” têm garantido alguma movimentação ao noticiário nesta, até agora, modorrenta eleição. O caso mais exposto é o do comediante Tiririca, em São Paulo. O postulante teria tudo para passar despercebido, não estivesse para recolher um caminhão de votos no próximo dia 3. Com ele, deverá eleger mais um punhado de gente, pois cada voto no Tiririca soma também para a coligação, contribuindo para engrossar a fatia dela na Câmara dos Deputados.

A função de “puxador de voto” não costuma incomodar a opinião pública quando os puxadores são, digamos, mais bem vistos. Tipicamente nosso. Mas Tiririca está incomodando, por ter-se transformado numa forma de protesto.

Argumentam também que é analfabeto. Sobre o tema do analfabetismo, pretendo escrever dia desses. Apenas registro que todas as confusões recentes da política brasileira nasceram das ações de brasileiros perfeitamente alfabetizados, no pleno domínio das habilidades de ler e escrever.

Mas o tema desta coluna não é a norma que proíbe o analfabeto de se candidatar, é a carona que a reforma política pega em cada polêmica surgida no processo eleitoral. Se muitos eleitores decidiram votar no Tiririca, trata-se agora de abolir o direito de o eleitor escolher o candidato. Melhor seria transferir esse poder ao partido, por meio da lista fechada.

Mas quais seriam mesmo as diferenças entre os dois métodos? Eu posso apontar uma. Hoje o sujeito vota no Tiririca e elege, além dele, mais um tanto de gente. No sistema proposto, os votos que a lista receberá do eleitor desejoso de eleger o Tiririca elegerão do mesmo modo um lote de candidatos da legenda ou coligação, mas sem a garantia de o Tiririca estar entre os eleitos.

Na regra de agora, o puxador de votos elege-se e ajuda a eleger outros. Na proposta nascida da esperteza brasiliense, essa fonte inesgotável de casuísmos, só estará garantida a eleição dos primeiros da lista. Se o puxador estiver numa boa posição, sorte dele. Se não, se o cacique partidário tiver conseguido enrolar o incauto e jogá-lo para um “ponto morto” na lista, os espertalhões só precisarão agradecer a ajuda do dono dos votos. E sugerir gentilmente que ele volte dali a quatro anos.

Haveria maneiras de evitar a injustiça? Sim, se a lei obrigasse as siglas a adotar mecanismos democráticos de composição das listas. A lei brasileira é, porém, peculiar. Os partidos recebem dinheiro público, mas estão livres para funcionar como bem desejarem. Por isso, com honrosas exceções, transformaram-se em cartórios dominados por caciques eternos.

O que é melhor: o sistema que abre espaço para um Tiririca, ou o que permitirá aos Tiriricas de todos os matizes funcionarem como fornecedores de voto para os donos de partido conquistarem cadeiras nos parlamentos sem nem precisar sair de casa?
@BlogdoNoblat

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Katchanga!!!

Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga
(disponível em www.direitosfundamentais.net)
por George Marmelstein
Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional
Na semana passada, viajei para Floripa para ministrar minha aula no módulo de direito constitucional na Emagis. Após as aulas, dei uma volta pela cidade com alguns juízes federais que participaram do curso e, através deles, ouvi a seguinte anedota:
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono
do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele. Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a
prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.
Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.
Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.
Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:
(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;
(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores constitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais) ;
(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;
(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.

Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira.
Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.

O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha.
Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira.

Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.
Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.
Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional” .
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).
O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.

A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional” . Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!

No fundo, a idéia de sopesamento/ balanceamento/ ponderação/ proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!
Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento:
“muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram- se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).

Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.
O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
Abaixo a katchangada!

Convênio não é cheque em branco...

Convênio não é cheque em branco: Verba empregada em obra diversa da finalidade do convênio: STF vê crime de responsabilidade do prefeito
16/8/2010

AÇÃO PENAL 409-CE
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: AÇÃO PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (INCISO IV DO ART. 1º DO DECRETO-LEI 201/67). CONVÊNIO FIRMADO PELO MUNICÍPIO DE CAUCAIA/CE COM O MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. RECURSOS FINANCEIROS INTEGRALMENTE LIBERADOS PARA A CONSTRUÇÃO DE AÇUDE PÚBLICO. VERBA EMPREGADA EM OBRA DIVERSA (“PASSAGENS MOLHADAS”). ALTERAÇÃO DO OBJETO E DA FINALIDADE DO CONVÊNIO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA INCRIMINADORA. PENA-BASE FIXADA EM 2 (DOIS) ANOS E 2 (DOIS) MESES DE DETENÇÃO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS (PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE SERVIÇOS À COMUNIDADE). SUBSTITUIÇÃO SUFICIENTE PARA ATINGIR A FINALIDADE DA PENA (ART. 44 DO CP).
1. O acusado firmou, na qualidade de Prefeito do Município de Caucaia/CE, convênio com o Ministério do Meio Ambiente para a construção de açude público. Obra centralmente destinada ao abastecimento de água da população, tendo em vista a sua grande capacidade de armazenamento. As provas judicialmente colhidas demonstraram que a verba federal recebida pela municipalidade foi empregada, em boa verdade, na construção de “passagens molhadas”. O que basta para a configuração do delito em causa, até mesmo por se tratar de crime de mera conduta. Emprego irregular de recursos federais – R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) – que se concretizou antes mesmo de examinado o pedido de alteração do objeto do ajuste. Alteração unilateral do convênio confessada pela própria defesa, embora com a tentativa de conven cer o Supremo Tribunal Federal de que a finalidade última da avença foi atingida.
2. Não se pode, é certo, presumir a responsabilidade criminal daquele que se ache no cargo de Prefeito municipal, em função apenas dessa titularidade. Increpação mecânica ou linear que redundaria na aplicação da inadmissível figura da responsabilidade penal objetiva. Se se prefere, implicaria presumir a responsabilidade penal objetiva em razão da simples titularidade do cargo público.
3. No caso, o réu, pessoalmente, assumiu o compromisso expresso de: a) executar todas as atividades inerentes à implementação do projeto descrito no Convênio, com rigorosa obediência ao Plano de Trabalho; b) não utilizar os recursos em finalidade diversa da estabelecida no ajuste; c) não aditar o Convênio com a finalidade de alterar o respectivo objeto, ainda que apenas parcialmente.
4. O vasto co njunto probatório dos autos evidencia que o acusado se encontrava à frente da administração do Município, apesar de, ocasionalmente, transferir a respectiva gestão à vice-Prefeita. Mais: de próprio punho assinou a minuta original do ajuste, como também todos os sete termos de prorrogação do prazo. Pelo que se comprova que o réu empregou os recursos financeiros em desconformidade com o objeto da avença. Improcedência da tese de que a alteração contratual partiu exclusivamente da vontade particular do Secretário de Infra-estrutura. Dolo configurado, porquanto decorrente da vontade livre e consciente de empregar recursos em desacordo com a respectiva programação.
5. Por outra volta, a mera existência de lei municipal dispondo sobre a descentralização da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional no âmbito da Administração do Município de Caucaia/CE não tem a força de excluir o então Prefeito do pól o passivo desta ação penal. Autoria delitiva comprovada.
6. A probidade administrativa é o mais importante conteúdo do princípio da moralidade pública. Donde o modo particularmente severo com que o Magno Texto reage à sua violação (§ 6º do art. 37 da CF/88).
7. E o fato é que a conduta imputada ao acusado extrapolou o campo da mera irregularidade administrativa para alcançar a esfera da ilicitude penal. Acusado que deliberadamente lançou mão de recursos públicos para atingir finalidade diversa, movido por sentimento exclusivamente pessoal. É ressaltar: a celebração de convênios tem por finalidade o alcance de metas específicas e o atendimento de necessidades pontuais (tais como as que decorrem da seca na região nordestina). Isto significa o óbvio: anteriormente à celebração de convênios, são realizados estudos de políticas públicas para aferição dos problemas mais sensíveis que a tingem cada região. E é a partir de tais análises que são definidos os valores a ser transferidos, seus destinatários e as metas a cumprir, pelo que a verba derivada da celebração de convênios é de natureza essencialmente vinculada, pois deve ser rigidamente dirigida ao equacionamento dos problemas, dificuldades e necessidades que justificaram a avença e legitimaram o repasse dos recursos.
8. Por essa maneira de ver as coisas, a celebração de convênios não implica a emissão de um “cheque em branco” ao conveniado, pois os valores hão de ser aplicados no equacionamento dos problemas que, identificados em estudos prévios, permaneceriam sem solução adequada se o repasse não fosse efetuado. Daí por que, no caso dos autos, o desvio na aplicação de verbas oriundas de convênio caracteriza crime de responsabilidade, mesmo que revertidos, de outro modo, em favor da comunidade. Pensar em sentido contrário autorizaria que admi nistradores ignorassem os próprios motivos que impulsionaram a celebração dos convênios, para passar a empregar verbas recebidas em políticas públicas outras que, ao seu talante ou vontade pessoal, possam alcançar um maior número de pessoas, gerar u’a maior aprovação popular, converter-se num mais adensado apoio eleitoral. O que já implicaria desvio de conduta com propósito secamente eleitoreiro. É dizer: receber verbas de convênio, mas aplicá-las em finalidade diversa da pactuada significa eternizar aqueles específicos problemas que motivaram a celebração do ajuste. Problemas muitas vezes negligenciados pelas administrações locais e que, exatamente por não gerar benefícios eleitorais aos respectivos administradores, não têm recebido a devida prioridade orçamentária.
9. Réu condenado a uma pena privativa de liberdade fixada em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto. Pena, essa, sub stituída por duas restritivas de direito, a saber: a) prestação pecuniária de 50 (cinqüenta) salários mínimos, a ser revertida a entidade pública (definida no momento da execução); b) prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo da pena substituída.

Fonte:STF

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Na defesa do consumidor, o STJ é mesmo o “tribunal da cidadania”?

(10.09.10)



Por Gerivaldo Neiva,
juiz de Direito na comarca de Conceição de Coité (BA)
(*) Artigo originalmente publicado no blog do autor


É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
(Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, IV e IX.)

Os “grandes” encontraram um caminho muito fácil e rápido, via Superior Tribunal de Justiça, para suspender os processos, com decisões que lhe são desfavoráveis, em curso nas Turmas Recursais de todo o Brasil. Assim já foi feito com relação a várias ações em que as Turmas Recursais, aplicando efetivamente o Código de Defesa do Consumidor, ratificam decisões de centenas de juízes de Juizados
Especiais, muitas vezes fundamentadas em Enunciados editados pelo Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), favoráveis aos consumidores.

E o melhor para “eles”: de forma irrecorrível!

Mas o STJ pode fazer isso? Para responder, vamos começar do começo.

Pois bem, a Lei nº 9.099/95 estabeleceu em seu artigo 41 que da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado e será julgado por uma turma composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição. É o que se chama comumente nos juizados como “recurso inominado”.

Ora, a lei não prevê outras modalidades de recursos em sede de Juizados Especiais em decorrência da própria natureza do sistema, principalmente com relação aos princípios da informalidade e celeridade. É o caso, por exemplo, do não cabimento do agravo de instrumento.

Além disso, o STJ editou a Súmula nº 203 com relação ao recurso especial nos seguintes termos: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.”

Dessa forma, restou como possibilidade, em tese, apenas o recurso extraordinário em caso de ofensa à Constituição.

Pois bem, no final do ano passado o STJ editou uma Resolução (nº 12/09), baseada em decisão do STF (EDcl no RE nº. 571.572-8/BA, DJ de 14.9.2009), outorgando-lhe poderes para “dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte”.

Confira…

O artigo 2º, I, da citada resolução dispõe que, admitida a reclamação, o relator poderá “de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão”.

Observe-se que a providência poderá ser “de ofício” e a suspensão atinge todos os processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, em todas as Turmas Recursais, inclusive comunicando a todos os presidentes e corregedores de tribunais estaduais.

Por fim, estabelece o artigo 6º da citada Resolução que “as decisões proferidas pelo relator são irrecorríveis”.

O que se questiona é o seguinte: pode um órgão do Poder Judiciário, por meio de resolução, outorgar poderes a um de seus membros para suspender a tramitação de todos os processos em curso, em todas as Turmas Recursais do Brasil, em decisão monocrática e irrecorrível, fundamentando sua decisão apenas na “plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação”?

Por fim, questiono ainda aos “doutos” em Direito Constitucional e Processo Civil o seguinte: se a decisão suspende a tramitação dos processos em andamento nas Turmas Recursais, o juiz de uma vara da justiça comum estadual pode dar continuidade ao processamento de ação da mesma natureza?

Se “não”, não parece que a resolução deveria ser expressa neste sentido?

Se “sim”, não parece que o STJ dispensa aos Juizados Especiais e Turmas Recursais um tratamento de Justiça “inferior” e sem autonomia?

Para concluir, se “sim”, havendo recurso de apelação ao Tribunal de Justiça da decisão do juiz da vara da justiça comum estadual, caberá reclamação ao STJ para também suspender o processo no tribunal de justiça estadual?

Sendo “sim” a resposta a esta questão, não parece que a resolução também deveria ser expressa neste sentido? Sendo “não” a resposta a esta questão, então para o STJ, o “tribunal da cidadania”, juiz de Juizado Especial e de Turma Recursal estão servindo apenas de “enfeite” quando se trata da defesa do consumidor.

Ou não?

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gerivaldo_neiva@yahoo.com.br

(Fonte: www.espacovital.com.br)