quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Pressupostos da estabilização da decisão que conceder a tutela antecipada

A estabilização exige o preenchimento de alguns pressupostos. O primeiro deles diz respeito ao requerimento do autor da tutela antecipada em caráter antecedente.
Apenas a tutela antecipada antecedente é que poderá ser estabilizada. Jamais a tutela antecipada incidente. Nos termos do art. 303, § 5º do NCPC, a opção pela tutela antecipada antecedente deve ser declarada expressamente na petição inicial.
O segundo pressuposto negativo. O autor não poderá manifestar, na petição inicial, a sua intenção de dar prosseguimento ao processo após a obtenção da pretendida tutela antecipada. Entendemos que o réu precisa saber de antemão a intenção do autor. Se o autor expressamente declara a sua opção pelo beneficio do art. 303 (nos termos do art. 303, § 5º), subentende-se que ele estará satisfeito com a estabilização da tutela antecipada, caso ela ocorra. Se, porém, desde a inicial, o autor já manifesta a sua intenção de dar prosseguimento ao processo, o réu ficará sabendo que a sua inércia não dará ensejo à estabilização  prevista no artigo 304 do NCPC. Por outro lado, entendemos que a opção pelo prosseguimento não possa ser admitida na peça de aditamento da inicial (art. 303, § 1º, inc. I do NCPC), pois, o prazo para o respectivo aditamento poderá coincidir ou mesmo superar o prazo de recurso. Se fosse admitida a manifestação do autor no prazo para aditamento, isso poderia prejudicar o réu que, confiando na possibilidade de estabilização, deixa de recorrer.
A decisão concessiva da tutela antecipada deve ser em caráter antecedente, Trata-se do terceiro pressuposto. Apenas a decisão concessiva pode tornar-se estável. É de se indagar: a concessão parcial da tutela antecipada tem aptidão para a estabilização? Entendemos que não, alterando posicionamento declinado na primeira edição da presente obra, pois, o propósito do legislador foi a extinção do processo, com a estabilização da tutela antecipada. Neste caso, se o autor não quiser correr o risco da estabilização, deverá se valer da tutela antecipada incidente.
Por fim, o último e quarto pressuposto, diz respeito à inércia do réu diante da decisão que concede a tutela antecipada. Embora o artigo 304 do NCPC mencione apenas a não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada tem uma maior abrangência. É necessário que o réu não tenha se valido de recurso de nenhum outro meio de impugnação da decisão (v.g. suspensão de segurança ou pedido de reconsideração, apresentados no prazo do recurso),. No tocante ao recurso, se o mesmo tiver sido interposto tempestivamente, impede-se a estabilização, pouco importando tenha sido o mesmo conhecido ou não. Entendemos que a expressão recurso deve ser interpretada em sentido abrangente.
Por outro lado, há quem entenda que a não apresentação de contestação seria pressuposto indispensável para a estabilização da tutela antecipada. Todavia, entendemos mais apropriado o posicionamento de Freddie DIDIER JÚNIOR a respeito do tema, verbis:

Mas não nos parece que a revelia é um pressuposto necessário para a incidência do art. 304.
O normal é que o prazo de defesa somente fluirá a partir da audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, I, CPC) ou da data do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência (art. 335, II CPC). O art. 303, § 1º, II, do CPC diz que, concedida a aturela antecipada antecedente, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação. O inciso III do art. 303, § 1º, por sua vez, diz que 'não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335'.

Se o caso não admite autocomposição, não é preciso designar audiência de conciliação ou de mediação (art. 334, §4º, I, CPC). O prazo de defesa, contudo, somente deve começar a correr a partir da intimação feita ao réu do aditamento da inicial.

Assim, o prazo de dessa, em regra, demora um pouco para ter início. O art. 304 não exige que se espere tanto para que se configure a inércia do réu apta a ensejar a estabilização da tutela antecipada.

Se no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolver antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua  inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada.

A partir do exposto, concluiu-se que a eventual apresentação de defesa no prazo de recurso é um fator relevante, que afasta a estabilização. Todavia, a inércia que enseja a estabilização, não depende da ocorrência da revelia. Assim, se transcorrido o prazo de recurso, sem a apresentação de defesa, ocorrerá a estabilização da tutela antecipada.

Por outro lado, importante ressaltar que a estabilização da decisão antecipatória não será possível se o réu inerte foi citado/intimado por edital ou por hora certa, se estiver preso ou for incapaz sem representante ou em conflito com ele. Nestes casos, será necessária a designação de curador especial que terá o dever funcional de promover sua defesa ainda que genérica-, impugnando a tutela de urgência então concedida. Do mesmo modo, entendemos que não há que se falar em estabilização, quando, a despeito da inércia do réu, a demandada for devidamente respondida e a tutela antecipada concedida em caráter antecedente for questionada por quem atue como assistente simples ou litisconsorte, cujos fundamentos aproveitem também ao réu inerte.

Há, ainda, outra situação a ser considerada: o provimento antecipatório é concedido, mas o autor não adita a petição inicial (art. 303, §1º, I) e o réu não impugna o mesmo. O § 2º do mesmo art. 303 determina a extinção do processo sem resolução de mérito. Será que o processo será extinto, sem a estabilização? Ou será que o provimento antecipatório estabilizará? Entendemos que nesta hipótese, deva prevalecer a estabilização, considerando a possibilidade das partes em rever, invalidar ou reformar a decisão judicial, por meio da ação prevista no §  2º do art. 304 do CPC.

(A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil - Tutela de Urgência e Tutela de Evidência - Jaqueline Mielke da Silva - Editora Verbo Jurídico)

sábado, 22 de outubro de 2016

Vícios de vontade - FRAUDE

Os atos praticados em fraude contra credores são aqueles que diminuem o patrimônio do devedor, tornando-o incapaz de satisfazer seus credores, ou, se já estava insolvente, diminuindo ainda mais a sua capacidade financeira.
Tais atos são anuláveis pelos credores quirografários (que não têm garantia real), que já o eram no momento do praticado em fraude. 
O Código distingue entre os atos gratuitos e os atos onerosos. Quanto aos primeiros são anuláveis pela simples prova da sua relação com a insolvência. Os segundos só podem ser anulados quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente, ou quando for provado o concilium fraudis, ou seja, a má-fé do adquirente.
Se o adquirente não tiver pago o preço, este for aproximadamente o corrente, desobriga-se depositando-o em juízo, com a citação dos interessados. Se o valor for inferior, para conservar os bens do adquirente pode depositar o preço correspondente ao valor real (art. 160 do CC).
A ação anulatória por fraude contra credores, também denominada de ação pauliana, pode ser movida contra o devedor insolvente, contra quem  com ele contratou fraudulentamente e contra os terceiros adquirentes de má-fé.
As garantias oferecidas a um credor em prejuízo dos outros são consideradas feitas em fraude contra credores. O credor quirografário, que recebe o pagamento antecipado, deverá, no caso do concurso de credores ou de falência, repor o que recebeu para ser rateado entre todos os credores.
A ação pauliana faz reverter os bens em favor do acervo do devedor que garante o pagamento aos credores.
Distingue-se da fraude contra credores, instituto de direito civil, a fraude de execução, matéria processual, regulada pelo art. 593 do CPC (*), que considera como tal a alienação ou oneração de bens a fim de frustar a execução, nos casos em que enumera.

(*) art. 792 CPC 2015
(Trecho da obra Direito Civil - Introdução e parte geral - volume I - Arnoldo Wald - Editora Saraiva)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Tutela de urgência antecipada requerida em caráter incidente

A tutela antecipada incidente pode ser requerida na própria petição inicial, no curso do processo - por simples petição - e no âmbito recursal. Sempre requerida incidentalmente, o pedido principal será elaborado na petição inicial. Consequentemente, não há que se falarem emenda da petição inicial, na forma do artigo 303, § 1º do NCPC. Do mesmo modo, não haverá estabilização da tutela antecipada requerida incidentalmente, caso o réu não interponha agravo de instrumento. A técnica da estabilização - sempre que a parte optar, nos termos do § 5º do artigo 303 do NCPC - aplica-se exclusivamente à tutela antecipada antecedente, explicitada no item 6 infra. O Capítulo II, do Título II, aplica-se à tutela antecipada antecedente, não sendo a técnica nele prevista compatível com a tutela antecipada incidente (revelando-se incompatível também com a tutela cautelar antecedente).
Não é demasiado mencionar - de forma a explicitar a compreensão - que a tutela antecipada incidental se processa no NCPC de forma similar ao CPC/73. Ou seja, a petição inicial deverá preencher não apenas os requisitos necessários à concessão do provimento antecipatório, mas a todos os fundamentos necessários à procedência da demanda. O pedido principal é requisito da petição inicial, nos termos do artigo 319 do NCPC. No CPC/73 apenas não era usual a utilização da expressão incidente, tendo em vista que inexistia a tutela antecipada antecedente. Na verdade, o que havia era apenas a tutela antecipada incidente.

(Trecho da obra "A Tutela Provisória no Novo Código de Processo Civil" - 2ª edição revista e atualizada - Jaqueline Mielke Silva - Verbo Jurídico) 

Vício da vontade - DOLO

O dolo como vício da vontade é a falsa representação à qual uma pessoa é induzida por malícia, ardil ou fraude de outrem. A diferença básica entre o erro e o dolo consiste em ser espontâneo o primeiro e provocado o segundo. O erro deriva de uma falta de atenção ou de perícia do agente. No dolo é a atividade de outrem que, ardilosamente, induz o agente a ter uma falsa representação. A única exceção ocorre quando num negócio bilateral o destinatário da proposta tem conhecimento da reserva mental, caso em que esta pode ser invocada e prevalecer (art. 110, do CC).
Do mesmo modo que distinguimos entre o erro essencial e o acidental, devemos diferenciar o dolo essencial do dolo acidental.  O primeiro é o que deu causa ao negócio e o segundo é o que, modificando certos aspectos desse negócio, tornando-o mais interessante, não foi, todavia, a sua causa única e exclusiva. O dolo principal ou essencial é causa de anulação do negócio jurídico dando, ainda, ao prejudicado, direito de pedir o ressarcimento das perdas e danos. O dolo acidental ou incidente é juridicamente relevante, mas não torna o negócio anulável, podendo todavia o prejudicado responsabilizar o culpado pelos danos sofridos.
Conhece-se, no comércio, o chamado dolus bonus (dolo bom), que é a malícia natural admissível nos negócios jurídicos, a publicidade e a propaganda que o industrial e o comerciante fazem dos seus produtos, assegurando que são os melhores e os mais reputados. A apreciação do dolus bonus depende do meio mercantil e somente em cada caso concreto é possível distinguir o dolo bom do dolo vício de vontade capaz de autorizar a anulação do negócio jurídico, devendo ser obedecido o que dispõe o Código do Consumidor, que assumiu uma posição muito mais severa na matéria em relação às normas de direito comercial.
Quando o dolo é de terceiro e não de um dos contratantes, o terceiro será evidentemente responsável pelas perdas e danos, não se anulando o negócio jurídico, devendo ser obedecido o que dispõe o Código do Consumidor, que assumiu uma posição muito mais severa na matéria em relação às normas de direito comercial.
Quando o dolo é de terceiro e não de um dos contratantes, o terceiro será evidentemente responsável pelas perdas e danos, não se anulando o negócio jurídico, se nenhum dos contratantes tiver ciência da manobra dolosa.
Há, todavia, possibilidade de estar um dos contratantes ciente da manobra do terceiro, e, então, haverá possibilidade de ser anulado o negócio. É o que determina o art. 148 do CC: "Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse  ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou."
A parte que sabia do dolo será também solidariamente responsável, com o terceiro, pelas perdas e danos devidos ao prejudicado.
O dolo não se presume, devendo ser provado pelo prejudicado. O direito anterior admitia um caso de dolo presumido que era a lesão enormíssima.Ocorria, quando havia um desequilíbrio entre as prestações das partes de tal ordem que uma delas tinha um valor inferior à metade da outra. A lesão enormíssima equiparava-se ao dolo, mas foi excluída pelo Código Civil de 1916, atendendo à sua índole liberal. A figura da lesão reaparece atualmente, no Código Civil (art. 157), em certas figuras de usura que o direito penal reprime, especialmente nos crimes contra a economia popular.
O dolo pode manifestar-se sob a forma de ação ou de omissão. "Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado" (art. 147 do CC)."
Se ambas as partes procedem com dolo, nenhuma delas pode alegá-lo para anular ou reclamar indenização (art. 150 do CC).
Se houver dolo do representante de uma das partes, a representada só será responsável pelos danos causados à medida que tiver proveito  com a operação (art. 149 do CC). A ideia dominante é a irresponsabilidade do representado pelo ato ilícito do representante, salvo se com ele tiver alguma vantagem, caso em que responde pelo prejuízo do terceiro até o limite da vantagem auferida, a fim de ser evitado o enriquecimento sem causa.
O prazo para anulação do negócio jurídico no qual houve dolo é de quatro anos. (art. 171 do CC)

(Trecho da obra Direito Civil - Introdução e Parte Geral - v. I - Arnoldo Wald - Editora Saraiva )

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Vícios da vontade

Sendo o negócio jurídico uma declaração de vontade, pode sofrer uma deturpação ou desvirtuamento, seja na sua formação, seja na sua manifestação.
Podemos classificar os vícios da vontade em vícios oriundos de uma representação errada por parte do declarante, ou seja, vícios da vontade propriamente ditos, e divergências ou discordâncias entre a vontade perfeitamente formada e a sua manifestação.
Ocorre desajuste entre a vontade e sua manifestação nos casos de erro obstativo (erro na manifestação da vontade) e de reserva mental ou reticência.
Há defeito na formação da vontade nos casos de erro, dolo e coação. Equipara-se, pelos seus resultados, aos vícios da vontade, embora tenha fundamentação totalmente diversa, a fraude contra credores.
O Código Civil alterou substancialmente os denominados defeitos do negócio jurídico, ao excluir a simulação desse rol e incluí-la como causa de nulidade, diferentemente do que dispunha o Código Civil de 1916, que a inseria entre as hipóteses de anulabilidade. Estabelece o Código Civil (art. 167) o seguinte: "É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".
Além da exclusão da simulação como defeito do negócio jurídico, o Código criou dois novos vícios: o estado de perigo e a lesão. Dispõe o art. 171, II, o seguinte: "Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: ... II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores."
ERRO
O erro obstativo, erro na manifestação da vontade, é o desajuste involuntário entre a vontade real do sujeito da relação jurídica e a sua manifestação por palavras, documentos ou enunciação por intermédio de terceiros (núncios, emissários). Por exemplo, o testador quer deixar um bem em usufruto e se refere a fideicomisso; o proprietário quer fazer uma locação e no contrato declara dar o imóvel em comodato; o comprador quer adquirir 100 unidades, e por erro, na transmissão do e-mail, faz uma encomenda de 1000.
O direito pátrio não trata separadamente do erro obstativo (erro na transmissão da vontade) e do erro-vício (erro na formação da vontade), englobando ambos no mesmo conceito.
O erro-vício é uma falsa representação, que exerce influência na formação da vontade do agente.
O erro pode ser essencial ou acidental. O primeiro é aquele "que interessa à natureza do ato, o objeto principal da declaração, ou algumas das qualidades a ele essenciais." É o erro tal que, se o agente tivesse tido uma representação exata do negócio, não o teria realizado. Erro acidental é, ao contrário, a falsa representação a respeito de alguma qualidade secundária, cuja inexistência não teria impedido a realização do negócio, se tivesse sido do conhecimento do contratante.
Somente são anuláveis os atos jurídicos em que houve declaração de vontade baseada em erro essencial ou substancial. O erro acidental é juridicamente irrelevante.
O erro pode ser sobre a natureza do próprio negócio (está prometendo doar quando quer vender, está alugando quando quer receber em comodato), sobre as qualidades da coisa (pensa que o objeto é de ouro quando é de bronze), sobre a pessoa do outro contratante (pensa tratar-se de pintor célebre quando é apenas pessoa do mesmo nome), sobre a quantidade (compra determinado terreno confundindo alqueires paulistas com alqueires mineiros) ou sobre a finalidade do negócio (compra passagem num navio para ir a Salvador e o navio dirigindo-se para a Europa não faz escala na Bahia).
O erro ainda pode ser de fato ou de direito. Erro de fato é o que recai sobre uma das qualidades de determinado objeto ou de certa pessoa. Erro de direito é a falsa convicção é a falsa convicção do agente a respeito de uma norma jurídica que foi a causa da transação ou à qual o negócio jurídico está submetido.
Estabelecendo a nossa legislação que a ninguém é lícito ignorar a lei (nemo censetur ignorare legem, v. art. 3º, da LICC), discutiu-se a possibilidade de ser anulado um ato jurídico por erro de direito. Na realidade, trata-se de situações distintas. O princípio básico impede que alguém se escuse de cumprir o que a lei determina, alegando ignorá-la, mas a liberdade das partes nas convenções, que realizam, deve ser respeitada, e, se algum elemento não correspondente à verdade influiu na formação da vontade, é justo que se admita a anulação do negócio jurídico. Desde que o erro de direito seja essencial, constituindo a causa básica do negócio, é admissível a sua anulação por essa fundamentação. Se alguém, ignorando que pode remeter fundos para o exterior para adquirir livros, faz um mútuo a um estrangeiro que está de viagem com a finalidade única de que, findo o prazo contratual, o dinheiro seja entregue a um livreiro fora do país, o negócio poderia ser anulado por erro de direito.
Distingue-se, ainda, o erro escusável do erro inescusável, considerando que só é anulável o ato quando o erro for escusável, ou sejam quando for daqueles que podem ser cometidos pelo homem de atenção e diligência medianas. Quando o erro for escusável, será fundamento para anulação. Este conceito de escusabilidade deve ser elástico, e o juiz só poderá apreciar cada caso concreto analisando o nível intelectual do agente, as suas qualidades profissionais, etc. Assim a confusão entre um diamante e um zircônio pode ser erro inescusável para um minerador, ou um profissional que trabalha com joias, e escusável para um leigo na matéria.
O falso motivo só é fundamento para anulação do negócio jurídico quando expresso como razão determinante (art. 140 do CC). Se alguém faz uma doação a algum sobrinho, de um imóvel, declarando que assim visa a suprir a falta de moradia, por não ter o sobrinho nenhuma propriedade imobiliária, e se, dias depois, fica provado que o sobrinho é proprietário de muitos imóveis, haverá a possibilidade de anular a doação por falsa causa. Se a mesma doação tiver sido feita sem mencionar a sua motivação, não poderá ser anulada, pois não houve menção da causa como razão determinante da doação.
Quanto ao erro obstativo, discutiu-se a quem cabia a responsabilidade no caso de erro na transmissão da declaração de vontade. A doutrina tem entendido que quem utiliza um núncio ou o serviço postal assume os riscos de erro, tendo ação regressiva contra o culpado. Assim sendo, a responsabilidade cabe a quem tomou a iniciativa de fazer a proposta por núncio ou por fax ou por e-mail, ou de exigir uma resposta da outra parte interessada, por esses meios de comunicação.
A ação para anular o ato jurídico por erro prescreve em quatro anos a partir da data do mesmo, em regra.
A reticência, ou reserva mental, em que o agente faz uma declaração mas, no seu íntimo, pensa em não cumprir o prometido, é juridicamente irrelevante, Se alguém promete uma recompensa e, ao mesmo tempo, decide não dá-la ou frustrar de qualquer modo a possibilidade dos candidatos a esta recompensa, a vontade íntima, interna do agente, é necessariamente irrelevante, é um propositum in mente retentum que não chega a exteriorizar-se, ou seja, a um engano em relação a algum dos elementos do negócio.
(Trecho de Direito Civil -  Introdução e Parte Geral - Arnoldo Wald - Editora Saraiva)