terça-feira, 29 de março de 2011

Centro acadêmico pode propor ação civil em favor de estudantes

Centro acadêmico pode propor ação civil pública com índole consumerista em favor de estudantes. Essa foi a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso do Centro Acadêmico de Direito Edézio Nery Caon contra a Fundação das Escolas Unidas do Planalto Catarinense (Uniplac).

Em assembleia com os estudantes do curso de direito, ficou decidido que o centro ingressaria com uma ação civil pedindo o reconhecimento da ilegalidade e abusividade de algumas condutas praticadas pela Uniplac. Entre elas, assuntos como reajuste de anuidade sem observância de prazo mínimo de divulgação, taxa de matrícula com média de 22 créditos, taxa de matrícula efetuada fora do prazo, não divulgação da proposta de contrato de adesão aos alunos e imposição de matrícula em no mínimo 12 créditos.

Em primeira instância, o juiz julgou extinto o processo por ilegitimidade ativa do centro acadêmico e impossibilidade jurídica do pedido. Em apelação, o pedido foi novamente negado, sob o argumento de que o centro acadêmico não possuiria autorização mínima exigida em lei para propor a ação. Segundo o artigo 7 da Lei n. 9.870/1999, é necessário o apoio de, pelo menos, 20% dos alunos, no caso de ensino superior, para que as associações possam propor ação.

No recurso ao STJ, o centro acadêmico pediu para que fosse reconhecido o direito de ajuizar ação civil pública no interesse dos alunos da Uniplac, dando prosseguimento no processo na primeira instância.

Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirma que o processo coletivo pode ser ajuizado por entidades civis, como associações e sindicatos, defendendo diretamente seus associados ou todo o grupo, mesmo de não associados, desde que compatível com os fins institucionais.

No caso, o próprio estatuto do centro acadêmico prevê a condição de defesa dos interesses dos estudantes de direito, de forma genérica. E assim, segundo o relator, pode se entender que tal disposição também diz respeito aos interesses dos estudantes, como consumidores, diante da instituição de ensino particular, para a discussão de cláusulas do contrato de prestação de serviço educacional.

Por fim, o relator disse que não faz sentido a exigência feita em primeira instância, relativa a percentuais mínimos de representação de toda a instituição de ensino, já que houve assembleia especificamente convocada para o ajuizamento das ações previstas na Lei n. 9.870/99. Nessa assembleia foram colhidas as assinaturas dos alunos, “circunstância em si bastante para afastar a ilegitimidade apontada pelo acórdão recorrido”, concluiu o ministro.

Os demais ministros seguiram o voto do relator para que a ação civil pública retome seu curso normal para o julgamento do mérito.

(Fonte: www.stj.jus.br)

sexta-feira, 25 de março de 2011

Competição x Colaboração

(25.03.11)

Por Joaquim Saturnino da Silva,
advogado (OAB/SP nº 184.718)

No caldeirão de maldades em que se transforma a dita “vida moderna”, não raro, podemos assistir a cenas inimagináveis, notadamente em divulgação pela avidez por pontuações no Ibope por parte da incontrolável tevê brasileira e sua ganância.

Tem sido assim ao longo do tempo, cada vez mais aceleradamente, pois toda vez que a competição extrapola o mundo dos esportes e permeia a vida comum, quer seja no trabalho ou nos lares, os desastres são inevitáveis e, em sua maioria, tenebrosos. Os casamentos já possuem datas de validade, sendo quase sempre a data que decretará a infelicidade de um número cada vez maior de crianças. É a ocorrência cada vez densa da paternidade irresponsável.

Essa mania crescente de dar apoio à hedionda “lei de Gerson” corrói o já debilitado interesse comum ampliando perigosamente somente interesses pessoais.

A distância cada vez maior entre pais e filhos, acelera a prática de comportamentos doentios – como o bullying, por exemplo – não só nas escolas mas em todo ambiente em que se reúnam adolescentes.

Professores são – no geral – vítimas fáceis dessa prática, posto que foram criados num tempo em que ainda existia respeito. Tempo em que ainda existia humanidade e não apenas essa crescente massa desvairada pelo consumo e outros vícios.

E as drogas, principalmente o crack, dizimam vidas quase impunemente, enquanto o poder policial compete entre si nas suas mais variadas divisões, sem freios. Polícia que deveria ser uma entidade singular, é um conjunto de “feudos”, num plural e perigoso contingente de pessoas armadas e despreparadas para o trabalho que tomaram como responsabilidade.

Dos bandidos nem há o que se comentar mais, sua própria designação já diz tudo. Apenas se pode acrescentar que na atualidade são os maiores “beneficiários” do Estado. De gravata ou sem ela.
A Justiça injusta peca ao aceitar “fianças” insultantes, liberando de delegacias criminosos que assumiram a possibilidade de matar alguém com seus carros e muito álcool no sangue. E assim, homicídios dolosos são “etiquetados” simplesmente como culposos. Parece um paradoxo, certas leis ultrapassadas tornaram-se uma avenida imensa para a impunidade. Quanto vale uma vida????

Os legisladores, por sua vez, apenas competem para ficarem cada vez mais ricos, com o dinheiro do povo que, indiferente, assiste morrer. E é desse tipo de gente que a Justiça se tornou refém. E quando vozes lúcidas se levantam, a balbúrdia dos loucos (no pior dos sentidos) abafa qualquer tentativa de reação em favor da vida.

Talvez seja por coisas assim, que a Terra, esse imenso ser vivo, pareça decidida a amputar algumas partes que já a incomodam além do suportável.

Podemos acabar vítimas de nós mesmos, de nossa visão materialista que não consegue ver nada além do próprio umbigo.

Alguém ainda se lembra do verbo colaborar? Parece que não. Apenas e tão somente, assistimos a socorros hipócritas nas tragédias, como tentativa de calar o resto de consciência que inda repousa dentro de algumas pessoas.

Você precisa de algo? Quer ajuda? Tudo bem contigo? Pareces triste, o que o incomoda? Posso ser útil?

Estes são tipos de frases que repousam nos labirintos da história empoeiradas e revestidas por teias de aranha. Chamam-nas piegas. A solidariedade não é mais sólida. A alegria é um sorriso de plástico desenhado nos rostos daqueles que apenas fingem educação.

Afinal, para competir é preciso deixar de lado os escrúpulos. Fixar os olhos no objetivo e manter em mente que não se faz omelete sem quebrar ovos. Os fins justificam os meios. Justificam?

Enfim, uma bela família custa muito de dedicação e, embora o dinheiro seja necessário, não é ele a seiva que permeia e sustenta o seio familiar. O que sustenta essas células em decomposição, que as possam recuperar, é a atenção, o carinho, o estar junto e seguramente apontar os caminhos menos áridos e perigosos.

Melhor seria se parássemos para avaliar a relação custo benefício, da direção que tomamos, com um mínimo de seriedade, sem muita técnica, mas muito coração!

(Fonte:
www.espacovital.com.br )

segunda-feira, 21 de março de 2011

Cultura, licitações & improbidade

O Estado é uma organização político-jurídica com a finalidade realizar o bem público, com governo próprio, dentro de um território determinado. Foi visto também que o Estado, para o alcance de seus fins, exercita o poder por meio da competência, efetuando serviços e atividades, que variam no tempo e no espaço, no sentido de promover a realização do bem público, e que a realização do bem público é efetuada por meio dos órgãos componentes da estrutura administrativa do Estado, aos quais são destinados serviços de interesse público, cuja ação deve ocorrer de acordo com as normas e os princípios constitucionais.

Toda esta atividade desenvolvida para o atendimento do bem público necessita de uma grande soma de recursos financeiros. Assim, para suporte das despesas realizadas com a manutenção dos serviços e órgãos que lhe são próprios, o Estado necessita promover a busca de meios materiais - recursos financeiros -, que envolve uma atividade de natureza patrimonial, denominando-se de atividade financeira do Estado.

O Estado, no exercício da sua atividade financeira, para a satisfação de suas necessidades materiais, socorre-se do patrimônio dos governados, na medida em que as suas atividades produtivas, de valores econômicos, são totalmente insuficientes para o atendimento das necessidades públicas. É a aquisição de dinheiro que constitui, precipuamente, a atividade financeira do Estado, que é, em síntese, um ente que arrecada e paga. É o maior criador e consumidor de riquezas. (HELIO SAUL MILESKI, in O Controle da Gestão Pública, Editora RT, p. 42).

Atividade corriqueira e com requisitos bem conhecidos por todos, inclusive pela sociedade, e colocada em prática por este grande criador e consumidor de riquezas, é a contratação de bens ou serviços. Como sabemos, a manutenção dos órgãos públicos e o amparo às necessidades da sociedade, que devem ser providas pelo Estado, consomem os recursos arrecadados por meio dos impostos pagos pelos cidadãos.


O "patrimônio dos governados", entretanto, é empregado não só em atividades como as mencionadas, como também naquelas que, à primeira vista, perseguem a finalidade pública, como o caso dos pardais, cujo objetivo parecia ser um trânsito mais seguro, mas, na realidade, parece ter objetivado a obtenção de lucros, pela via da contratação avessa à legislação aplicável, bem como, pela manipulação dos aparelhos utilizados para controlar a velocidade em determinados locais, através da retirada de multas atribuídas a algumas pessoas.


Ocorre que a contratação, assim como todos os atos administrativos, deve perseguir a finalidade pública e o processo seletivo das propostas deve seguir os princípios norteadores da atividade pública (art. 37 caput da Constituição Federal e art. 19 caput da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul), além dos ditames estabelecidos pela Lei Federal 8666/93 (Estatuto das Licitações) e outras disposições legais aplicáveis, conforme o caso.

Interessante notar, que apesar de ser uma atividade pública com tais características, da qual participam os próprios cidadãos que arcam com as despesas da contratação pretendida pelo administrador público, situações de inobservância à legislação e à Constituição parecem ter virado rotina no País, inclusive, sendo, de certa forma, avalizadas através do voto.


Bem ou mal, aceitamos conviver com sucessivas promessas de reforma tributária, sem que tenha sido esboçada sequer uma tentativa de redução das alíquotas de impostos, por parte dos "representantes do povo", muito pelo contrário. Todos os dias somos informados, também, que cifras astronômicas, oriundas dos cofres públicos, são desviadas de sua finalidade constitucional: a finalidade pública e apesar disto, continuamos votando nos mesmos grupos, eleição após eleição, seja ela municipal, estadual ou federal.

Escândalos de toda a ordem passaram a fazer parte da nossa rotina: previdência, selos, mensalão, salários e benefícios dos "representantes do povo", DETRAN e, mais recentemente, o caso dos pardais.

Embora tais fatos sejam entendidos, pela maioria da população, como execráveis e merecedores da justa punição, convivemos, também, com atividades praticadas por alguns grupos econômicos, que efetuam uma espécie de "compensação destes prejuízos", toda a vez que aparece qualquer oportunidade de participação nos imensos lucros disponibilizados por meio de atividades públicas não previstas na legislação, por assim dizer.


A cultura dominante no País, de que "dinheiro público não tem dono", de que "para tudo se dá um jeito" e a institucionalização da chamada "lei de Gerson" oportunizam o nosso convívio diário com tais situações e o que é pior, sedimentam na sociedade, a certeza de que nada será feito para mudar.


Com base nisto, parece existir uma autorização tácita de participação nos imensos lucros obtidos através de licitações pautadas pela inobservância total ou parcial da legislação vigente, pois "se todo mundo faz, eu também posso fazer", o que contribui para institucionalizar um oportuno comodismo popular, que só beneficia os grupos dominantes.

Além do aspecto cultural intrínseco, importa sinalar o teor das disposições legais vigentes e aplicáveis ao caso das licitações, de observância obrigatória pelos órgãos públicos e seus agentes. A regra, como todos sabemos, é licitar, mas as exceções à regra possibilitam a certos agentes públicos, o exercício daquilo que o Ministro Carlos Ayres Britto chamou de "salto triplo carpado hermenêutico", perfeitamente aplicável nestes casos.

Os vinte e nove incisos do art. 24 da Lei Federal 8666/93 (casos em que a licitação é dispensável) e os casos em que ela é inexigível, previstos no art. 25 e incisos constituem poderosa ferramenta para a manipulação do sistema legal, visando o lucro com os recursos públicos e evitar o processo licitatório.


Detentores de uma "hermenêutica" singular, certos agentes públicos sempre conseguem moldar e enquadrar o caso concreto, nas exceções à regra de licitar, uma das formas encontradas para burlar o sistema.


Quando, apesar de todos os esforços, não conseguem utilizar uma das muitas exceções à regra de licitar, a saída é adaptar os trâmites licitatórios aos interesses de determinados grupos, tudo sob a pretensa roupagem do interesse público, como parece ter ocorrido, recentemente, em São Paulo no caso da CET - Companhia de Engenharia de Tráfego, quando foi constatado que os editais pareciam ser clonados, dentre outras irregularidades, conforme a matéria veiculada pela Folha de São Paulo, em 19 de março deste ano.

Por óbvio, não se pode "engessar" a administração pública ao ponto de não oportunizar uma certa flexibilização na obrigatoriedade de licitar, mas seria bastante conveniente que fossem desenvolvidos mecanismos para prevenir a utilização das exceções ao procedimento licitatório, como panacéia para resolver qualquer obstáculo com que se deparam os agentes públicos, obstáculos estes que, por vezes, tem seu surgimento tolerado para justificar condutas avessas à lei.


Os "despercebidos" princípios que regulam as licitações, estão previstos no art. 3º da Lei específica, nos seguintes termos: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifamos)


Apesar disto, caso fosse efetuado um levantamento, incluindo todas as licitações realizadas em um dado período e localidade, com certeza seria possível verificar que a maioria dos procedimentos licitatórios foram efetuados em inobservância a um, algum ou a todos estes princípios, mas princípios não são leis, dizem alguns. Ocorre que estão previstos em lei e na Constituição, portanto, de observância peremptória, sob pena de praticarmos crime de improbidade, conforme previsão expressa da Lei 8429/92.


Cumpre, ainda, destacar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre princípio e sua importância, que segundo ele, é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.


A verdade que se escancara diante de nossos olhos, desta forma, é que enquanto não houver a ab-rogação da "lei de Gerson", até a Constituição lhe será submissa, na medida em que nem os alicerces do sistema legal são observados, e continuaremos ouvindo dos agentes públicos e dos grupos sociais envolvidos, ao serem questionados sobre ilegalidades detectadas em qualquer escândalo promovido às expensas do erário público: "Não sei de nada" ou "Não vi nada".


Agnes Sobbé