A teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas foi defendida inicialmente na Alemanha por Hans Carl Nipperdey, a partir do início da década de 50. Segundo ele, embora alguns direitos fundamentais previstos na Constituição alemã vinculem apenas o Estado, outros, pela sua natureza, podem ser invocados diretamente nas relações privadas, independentemente de qualquer mediação por parte do legislador, revestindo-se de oponibilidade erga omnes. Niperddey justifica sua afirmação com base na constatação de que os perigos que ameaçam os direitos fundamentais no mundo contemporâneo não provêm apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral. A opção constitucional pelo Estado Social importaria no reconhecimento desta realidade, tendo como consequência a extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares.
A teoria de Nipperdey foi retomada e desenvolvida na doutrina germânica por Walter Leisner, em tese de cátedra referente ao tema, na qual advogou a ideia de que, pela unidade da ordem jurídica, não seria admissível conceber o Direito Privado como um gueto, à margem da Constituição e dos direitos fundamentais.
Embora minoritária no cenário germânico, a tese da eficácia horizontal imediata tem ampla penetração na doutrina de outros Estados europeus, como Espanha, Portugal e Itália. Em alguns regimes constitucionais, aliás, ela parece resultar de expressa imposição constitucional, como é o caso de Portugal e da África do Sul, cujas constituições preveem a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, sem condicioná-la a qualquer mediação legislativa.
Na América Latina, ao que tudo indica, o tema surgiu pela primeira vez na jurisprudência da Argentina. Em decisão proferida no ano de 1958, a Corte Suprema daquele país reconheceu a eficácia direta dos direitos fundamentais frente a particulares, no julgamento de um recurso de amparo impetrado no célebre caso Samuel Kot. Discutia-se, na hipótese, o direito do proprietário de uma fábrica, que fora ocupada por seus empregados há mais de três meses, sem qualquer providência das autoridades policiais. O recurso foi acolhido, e no acórdão o tribunal portenho lavrou:
(...) nada hay tampouco, que autorice la afirmación de que el ataque ilegítimo, grave y manifesto contra qualquiera de los derechos que integran la libertad, lato sensu, carezca de la protección constitucional adecuada (...)por sola circunstancia de que ses ataque emane de otros particulares o de grupos organizados de indivíduos (...). Hay agora una tercera categoria de sujetos, con o sin personería jurídica, que sólo raramente conocieron los siglos anteriores: los consorcios, los sindicatos, las associaciones professionales, las grandes empresas, que acumulan casi siempre un enorme poderío material o económico. A menudo sus fuerzas se oponem a las del Estado y no es discutible que estos entes coletivos representam (...) una fuente de amenazas para el indivíduo y sus derechos esenciales. Si, en presencia de estas condiciones de la sociedad contemporánea, los jueces tuvieran que declarar que no hay protección constitucional frente a tales organizaciones colectivas, nadie puede engañarse de que tal declaración comportaria la quiebra de los grandes objetibos de la Constituición.
Os adeptos da teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não negam a existência de especificidades nesta incidência, nem a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso. Não se trata, portanto, de uma doutrina radical, que possa conduzir a resultados liberticidas, ao contrário do que sustentam seus opositores, pois ela não prega a desconsideração da liberdade individual no tráfico jurídico-privado, mas antes impõe que ela seja devidamente sopesada na análise de cada situação concreta.
Tampouco, se pode acusar a doutrina da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas de incompatível com o princípio democrático, por atribuir poder em demasia ao Judiciário, em detrimento do legislador. Isto porque, em primeiro lugar, a proteção de direitos fundamentais, no mais das vezes não prejudica a democracia, mas antes assegura as condições necessárias ao seu bom funcionamento. Ademais, a maior parte dos adeptos desta teoria reconhece que, diante da existência de lei disciplinando a questão subjacente ao conflito privado, deve o Judiciário aplicar a norma vigente - e não dar ao caso a resposta que pareça mais justa a cada magistrado -, podendo afastar-se da solução preconizada pelo legislador tão somente quando concluir que esta se afigura incompatível com a Constituição.
Como já destacado acima, a teoria da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos fundamentais é amplamente dominante no cenário brasileiro, sendo sustentada por autores como Ingo Wolfgang Sarlet, Luís Roberto Barroso, Gustavo Tepedino, Wilson Steinmetz e Jane Reis Gonçalves Pereira, dentre tantos outros, e contando também com minha adesão. (...)
(Daniel Sarmento - Diálogos entre o Direito do Trabalho e o Direito Constitucional - Estudos em homenagem a Rosa Maria Weber - Saraiva - 2014)
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