Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III - nos demais casos expressos em lei.
1. Fraude à Execução. A fraude à execução constitui ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 600, I, CPC) e ilícito penal (art. 179, CP). Trata-se de manobra do executado que visa a subtrair à exeução bem de seu patrimônio. Se reconhecida, a alienação ou oneração realizada em fraude à execução considera-se ineficaz com relação ao exequente.
2. Litispendência. Fundamental para caracterização da fraude à execução é a existência de litispendência ao tempo da alienação ou oneração do bem passível de constrição executiva. Vale dizer: é imprescindível que o demandado tenha sido citado validamente para processo em curso. O que interessa é que esse processo, por seu conteúdo, possa importar em responsabilidade patrimonial atual ou futura do demandado.
Em outras palavras, pode o processo conter tanto uma ação que vise à condenação do demandado. como à execução de seu patrimônio ou simples asseguração para execução futura.
3. Demanda real ou demanda capaz de reduzir o demandado à insolvência. Além da litispendência, exige-se para a configuração de fraude à execução a alienação ou oneração de bem sobre o qual pende ação fundada em direito real ou a existência de demanda capaz de reduzir o demandado à insolvência. No primeiro caso, a ineficácia decorre do direito de sequela, sujeitando o terceiro adquirente ou beneficiado com o ônus real à disciplina do sucessor no direito litigioso. (art. 42, §3º, CPC). No segundo, a ineficácia decorre da cláusula da responsabilidade patrimonial (art. 591, CPC), presumindo que a conduta do demandado se encontra direcionada para fraudar a execução.
4. Desnecessidade de prova do Consilium Fraudis. Não é necessária a prova da intenção de fraudar para que se configure a fraude à execução. Vale dizer: está o exequente dispensado de demonstrar a ocorrência do consilium fraudis. Basta a ocorrência das circunstâncias objetivamente postas em lei (art. 593, CPC). Existem precedentes, contudo, em sentido contrário. Assim, já se decidiu igualmente que, "para se configurar a fraude à execução é necessário que a alienação do bem ocorra após a citação válida do devedor e o conluio entre devedor/aliendante e adquirente do bem." O STJ tem súmula a respeito do assunto: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente" (Súmula 375, STJ).
5. Proteção ao Terceiro de Boa-fé. A jurisprudência exige que o terceiro adquirente ou beneficiado com o ônus real tenha ciência da demanda para caracterização da fraude à execução, protegendo-se por aí a boa-fé do terceiro. Do contrário, a fraude à execução não se caracteriza, não alcançando o terceiro de boa-fé, sendo existente, válida e eficaz a alienação ou oneração realizada pelo demandado. A ciência do terceiro pode advir, por exemplo, da averbação da propositura de determinada demanda no registro competente (art. 615-A, CPC), da inscrição da penhora no registro competente (art. 659, §4º, CPC) ou de qualquer outro ato que denote ciência inequívoca do terceiro a respeito da exitência de demanda em curso. O STJ pacificou o assunto: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do adquirente" (Súmula 375, STJ).
6. Fraude à execução e Fraude contra Credores. Os dois institutos não se confundem. A fraude contra credores constitui causa de anulabilidade do negócio jurídico (arts. 158 e 159, CC). Deve ser alegada por ação própria (ação pauliana no juízo civil; ação revocatória no juízo falimentar), não sendo possível ao órgão jurisdicional reconhecer a fraude contra credores incidentalmente em qualquer outra demanda. Assim, exemplificativamente, "em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores" (Súmula 195, STJ). A fraude contra credores tem como requisitos a prática de ato que importe redução patrimonial capaz de levar o devedor à insolvência ou praticado com devedor já em insolvência, a preexistência de credores e a verficação de prejuízo a esses credores (eventus damni). O intuito de de fraudar os credores (consilium fraudis) é irrelevante, salvo quando a lei expressamente requer a sua demonstração para desconstituição do negócio jurídico (como, por exemplo, no art, 130, Lei 11.101, de 2005). A jurisprudencia, contudo, tem exigido invariavelmente a prova do consilium fraudis para anulação de negócio jurídico por fraude contra credores.
7. Fraude à Execução e Alienação de Bem Constrito. A Fraude à execução não se confunde com a alienação de bem constrito judicialmente. A alienação do bem penhorado, arrestado ou sequestrado é ineficaz com relação à execução independentemente da prova dos requisitos da fraude à execução. Em qualquer caso, todavia, a jurisprudência exige para proteção do terceiro de boa-fé que a constrição tenha sido publicizada ou de qualquer maneira tenha tomado dela ciência o terceiro. Do contrário, prestigia-se a boa-fé do terceiro adquirente da coisa constrita.
( Código de Processo Civil comentado artigo por artigo - Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero - 2ª Edição Revista, atualizada e ampliada)